WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O governo Donald Trump precisou atuar nesta quarta-feira (25) para tentar amenizar o impacto da divulgação pela imprensa americana de um relatório de inteligência que contrariava a posição do presidente sobre o tamanho dos danos causados ao programa nuclear do Irã.
Ao longo do dia, a narrativa construída foi a de que, além de falsas as notícias, há um novo relatório comprovando a fala de Trump. A reação incluiu declarações de integrantes da gestão e, inclusive, o anúncio pela CIA (agência de inteligência americana) de um documento para afirmar que os estragos foram severos -isso o próprio regime iraniano admitiu.
No sábado (21), ao anunciar o ataque ao país, Trump afirmou que os EUA haviam obliterado completamente o programa nuclear iraniano. O relatório confidencial revelado nesta terça-feira (24), porém, apontava que o bombardeio teria apenas atrasado o programa em alguns meses.
Trump reagiu de imediato e, logo após a publicação das reportagens, passou a chamar a mídia de mentirosa, como de praxe. Num post nas redes sociais, ele pediu inclusive a demissão de uma repórter da rede de televisão CNN.
Além de contrariar o presidente, o resultado da análise é negativo para o presidente porque significaria um desfecho pequeno às custas de um risco elevado, que foi o de entrar no conflito entre Israel e Irã.
“A CIA pode confirmar que um conjunto de inteligência credível indica que o Programa Nuclear do Irã foi severamente danificado pelos recentes ataques direcionados”, disse o diretor da CIA, John Ratcliffe. “Isso inclui novas informações de fonte/método historicamente confiável e preciso de que várias instalações nucleares iranianas importantes foram destruídas e teriam que ser reconstruídas ao longo de anos”, completou, acrescentando Ele ainda que a CIA continuaria a coletar informações adicionais sobre o assunto.
Israel justificou o ataque ao Irã há duas semanas argumentando que o país persa estaria prestes a desenvolver uma bomba atômica. Os iranianos nunca admitiram que têm esse objetivo, e nem mesmo a inteligência americana confirmava a existência do programa.
Trump, porém, disse em carta ao Congresso que as instalações nucleares iranianas atingidas no sábado abrigavam “um programa de desenvolvimento de armas nucleares” -contradizendo as agências de espionagem dos EUA.
A AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), o órgão da ONU que fiscaliza os programas nucleares dos países signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), afirma que o Irã enriquece urânio em níveis superiores aos necessários para manter ativos os reatores de energia. Mas não há provas de que o país persa esteja de fato desenvolvendo uma arma nuclear.
Ainda assim, foi para evitar essa hipótese que o presidente americano justificou seus ataques, a despeito de contrariar sua base de apoiadores mais radicais, contrária a intervenções americanas no exterior.
O debate sobre se o Irã poderia retomar a produção do seu programa nuclear foi um dos principais temas da cúpula da Otan, que ocorre nesta semana em Haia, na Holanda.
Trump foi questionado por repórteres diversas vezes sobre o alcance dos ataques e centrou as respostas na defesa de que eles haviam eliminado os esforços nucleares iranianos. Coube ao secretário de Estado, Marco Rubio, dar uma justificativa detalhada.
Segundo ele, a investida iraniana teria sido atrasada em anos, não em meses, porque os EUA teriam destruído uma “instalação de conversão”, essencial para a produção de uma arma nuclear.
Essa instalação de conversão seria necessária para transformar o urânio enriquecido em lugares como Fordow e Natanz em metal apropriado para a fabricação de uma ogiva. Ao contrário do complexo em Fordow, que contava com centrífugas capazes de enriquecer o material físsil enterradas no fundo de uma montanha, essa instalação de conversão, de acordo com Rubio, estaria em Isfahan, um complexo muito mais vulnerável.
Se o secretário de Estado estiver certo, então duas coisas podem ser verdade ao mesmo tempo: que o complexo de Fordow, altamente resistente a bombardeios aéreos, não sofreu grandes danos, e que o programa nuclear iraniano precisará de anos para se reerguer, uma vez que uma instalação de conversão é uma infraestrutura sofisticada e custosa. Há, entretanto, uma terceira possibilidade: a de que o Irã tenha construído outra instalação do tipo em segredo e não informado a ONU da sua existência.
Trump ainda afirmou nesta quarta que deve ter conversas com o Irã na próxima semana, mas minimizou agora a necessidade de um acordo com o país. “Para mim, não acho que seja tão necessário. Quero dizer, eles travaram uma guerra. Agora estão voltando para o mundo deles. Não me importo se tenho um acordo ou não”, afirmou.
Nesta quarta, o presidente do Parlamento iraniano, Mohammad Qalibaf, disse à imprensa estatal que o país pretende acelerar seu programa nuclear civil. O Parlamento também aprovou uma resolução para suspender a cooperação do país persa com a AIEA. A medida ainda precisa ser aprovada pelo Conselho Guardião do país para entrar em vigor.
O Irã ainda é membro do TNP, mas as tensões entre o país e a AIEA vinham crescendo antes do início da guerra com Israel. Qalibaf afirmou que a AIEA “comprometeu sua credibilidade internacional” ao não condenar os ataques de Israel.