BONN, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Apesar dos esforços da diplomacia brasileira para avançar em temas prioritários para a COP30 (conferência do clima em Belém, em novembro), a reta final das Reuniões Climáticas de Junho -espécie de pré-COP focada em negociações técnicas- foi atravessada por algo que, em teoria, deveria ter sido pacificado na conferência do ano anterior: o financiamento climático.
Na COP29, em Baku, no Azerbaijão, os países concordaram com uma nova meta para esses recursos, mas o volume e a origem dessas verbas permanecem motivo de tensão entre nações ricas e em desenvolvimento.
Nas reuniões técnicas, que acontecem até esta quinta-feira (26) em Bonn, na Alemanha, o financiamento vem aparecendo continuamente, sendo motivo de impasse em praticamente todas as áreas de negociação. Diplomatas e representantes da sociedade civil já falam no “fantasma de Baku” assombrando as negociações da COP30 na capital paraense.
“Apesar de ter só uma sala com esse mandato específico, todas as salas estão falando de financiamento. Esse é um estresse pós-traumático de Baku. Está todo mundo querendo falar de financiamento”, avalia Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Para Stela Herschmann, especialista em política climática no Observatório do Clima, essa situação indica um cenário ainda mais complexo para que a presidência brasileira consiga impor sua agenda de negociações prioritárias em Belém.
“Saímos da conferência de Bonn com a certeza de que a agenda da COP30 será mais desafiadora do que a gente imaginava. Porque os países deixaram agora muito claro que eles querem discutir uma coisa da qual o Brasil achou que ia conseguir escapar, que é o financiamento climático. E mais: o financiamento público.”
Aprovado após negociações que estiveram à beira do colapso em Baku, o Novo Objetivo Coletivo Quantificado -mais conhecido pela sigla em inglês, NCQG- ampliou os recursos para ação climática de US$ 100 bilhões para US$ 300 bilhões anuais, até 2035, com o objetivo acordado, mas sem nenhum caminho concreto definido, de expandir o valor para US$ 1,3 trilhão, mobilizando recursos públicos e privados.
Antes, durante e depois do acordo, as nações em desenvolvimento manifestaram seu descontentamento com os valores, insuficientes para fazer frente ao desafio das mudanças climáticas.
Vários estudos, inclusive no âmbito das Nações Unidas, indicam a necessidade de pelo menos US$ 5 trilhões até 2030 apenas para implementar os planos climáticos já existentes.
Além disso, o financiamento climático vem sendo fornecido sobretudo na forma de empréstimos, muitas vezes com juros de mercado, o que agrava a vulnerabilidade financeira das nações em desenvolvimento que apelam a esses recursos.
“A sombra do financiamento paira sobre essas negociações e está desacelerando os processos. Isso está dando a muitos países uma justificativa para não fazerem o que deveriam e também está impedindo que aqueles países que querem fazer mais tenham os recursos necessários para agir”, disse Mark Lutes, assessor sênior de Políticas Climáticas Globais do WWF.
Embora reconheça a importância da questão do financiamento, Lutes destaca que a agenda não deve ser paralisada por conta desse ponto.
“Estamos decepcionados com o que os países desenvolvidos entregaram em termos de financiamento no âmbito do NCQG. Mas, ao mesmo tempo, não podemos parar ou desacelerar as ações para enfrentar a mudança climática: para reduzir emissões, adaptar-se, lidar com perdas e danos”, completou.
Mais uma vez, os países ricos -que têm a responsabilidade de pagar a conta- vêm repetindo ações das conferências anteriores e travando os avanços sobre financiamento. Na ausência da delegação dos Estados Unidos, que se antecipou à saída formal do Acordo de Paris e já não esteve presente em Bonn, o protagonismo nesse sentido tem sido da União Europeia.
Para Unterstell, a questão do financiamento também vem sendo instrumentalizada para travar o avanço de outros pontos.
“Taticamente, alguns grupos se escondem atrás do não cumprimento das obrigações de financiamento pelos países desenvolvidos e usam isso como se fosse uma justificativa para não elevar suas próprias ambições. Com isso, o planeta inteiro perde”, ponderou.
A presidência brasileira escolheu três grandes prioridades para avançarem em Bonn: a transição energética justa, os indicadores de adaptação e o diálogo para o chamado balanço global, mais conhecido pela expressão em inglês “global stocktake” (GST).
Para analistas, os dois primeiros temas têm maiores chances de resultados positivos, mas o cenário ainda é considerado indefinido nesta quinta-feira, último dia da conferência.
Em mais um sinal de atenção para os representantes do Brasil, preocupações com a logística para a conferência em Belém, sobretudo o alto custo da hospedagem, foram outro tema central do encontro, partindo tanto de delegações nacionais quanto da sociedade civil.