SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lícia, 27, e o companheiro, que pediu para não ser identificado, permaneciam abraçados numa temperatura abaixo dos 15°C, na praça da República, no centro de São Paulo, por volta da 1h desta quarta-feira (25).

Eles compartilhavam a única coberta que tinham enquanto aguardavam desde as 22h30 por uma vaga em algum albergue que recebesse casais.

A cidade registrou a madrugada mais fria do ano nesta quarta, com 6,6ºC por volta das 4h. A temperatura foi registrada pelos termômetros da estação automática do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) no Mirante de Santana, zona norte.

Ela conta que os dois estão na rua há um mês e meio, depois que ela foi desligada do POT (Programa Operação Trabalho). “Não consegui fazer a matrícula em um curso porque meus documentos foram furtados”, afirma. O casal tentava resolver o problema na avenida Paulista e, por isso, diz ter chegado atrasado na praça da República.

Quando chegaram, o atendimento já havia encerrado. Não conseguiram ter acesso a mais uma coberta, uma sopa ou outra bebida quente e uma água. No local, quando chegaram, havia apenas os profissionais responsáveis pelo encaminhamento para albergues. Com a promessa de uma vaga, eles aguardavam serem chamados para subir na van. Depois, receberam a notícia de que haviam conseguido vagas para eles.

Os funcionários informaram que já haviam conseguido levar mais de 20 pessoas só da praça da República para albergues municipais. Quatro unidades estavam recebendo pessoas em situação de rua que estavam na praça.

Por volta das 2h30, com uma temperatura um pouco mais baixa, Nayara Santos ainda aguardava uma van para levá-la do Pateo do Collegio para algum abrigo. Ela ligava para o número 156 da prefeitura pela segunda vez para conseguir o atendimento.

Com a boca inchada e outras marcas de agressão, Nayara queria ir para o abrigo não só para garantir uma noite de sono sem o frio das ruas. “Pretendo denunciar o meu ex-marido por agressão”, diz. Ela conta que fugiu de casa, no interior paulista, depois de ser agredida pelo então companheiro.

Sem ter para onde ir, foi para o marco zero da capital paulista na esperança de conseguir o atendimento. “Se eu der entrada no albergue, sei que a assistente social pode me encaminhar na manhã seguinte para fazer um boletim de ocorrência e o exame de corpo delito”, diz.

Ela tinha a esperança de não ter de permanecer na rua e escolheu esperar em um ponto com a presença de guardas civis metropolitanos, o que lhe dava alguma sensação de segurança. “A rua é mais perigosa para as mulheres do que para os homens”, diz.

Com fogueiras nas ruas, muitas pessoas em situação de rua preferiram encarar o frio sem ir para albergues. Ao menos dois deles, um na região central e outro na região da subprefeitura da Mooca, afirmaram que não poderiam ser abrigados por estarem restritos nas unidades da região. A restrição é uma punição por atos de indisciplina.

Na Mooca, na zona leste, um deles afirmou que sua carroça havia sido apreendida na semana anterior, o que estava causando dificuldades para conseguir sobreviver. Ele conta que a tinha comprado por R$ 1.000 e sequer havia terminado de quitar as prestações.

Na rua General Olímpio da Silveira, embaixo do Minhocão, no centro de São Paulo, as pessoas em situação de rua disseram que a vida delas ficou mais difícil depois do espalhamento da cracolândia (que atraiu usuários da droga para as imediações) e a instalação de uma base da Polícia Militar na praça Marechal Deodoro.

Segundo elas, houve uma redução considerável das doações após essas duas mudanças.

A falta de lugar para abrigar animais de estimação, os surtos de pragas e as brigas são os principais motivos levantados pelas pessoas em situação de rua para se recusarem a ir para os albergues. A rigidez nos horários também é um empecilho, ainda mais para as pessoas que são recolhidas já no meio da madrugada e teriam, assim, poucas horas de sono.

Na rua, muitos reclamam da falta de apoio fora do sistema de acolhimento. Cobertores que são recolhidos pela fiscalização, por exemplo.

Em nota, a prefeitura afirmou que a cidade tem “a maior rede socioassistencial da América Latina, com mais de 26 mil vagas em 380 serviços” e que “a taxa de ocupação média nesses serviços no mês de junho é de 82%”.

E acrescentou que orientadores do Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS) atuam nas tendas e intensificam o trabalho de abordagem nas ruas, ofertando acolhimento.

“Em caso de aceite, as pessoas são levadas para um dos equipamentos da rede socioassistencial, respeitando sempre a tipologia dos acolhidos (pessoa sozinha, com deficiência, famílias, idosos e população LGBTQIAPN+). Nos serviços, os atendidos contam com espaços para pernoite e banho, além de refeições como jantar e café da manhã.”