BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) vai publicar um decreto com o objetivo de retomar os processos de titularidade de terras e regularização fundiária no país. O texto está em fase final de elaboração, com previsão de ser anunciado pelo presidente nos próximos dias.

A Folha teve acesso à minuta do decreto. A proposta cria a Política Nacional de Governança da Terra (PNGT) e unifica uma série de bancos de dados de informações fundiárias que atualmente não têm nenhum tipo de integração.

Por trás do decreto está um diagnóstico feito pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

O tribunal apontou as falhas de titulação de terras como uma “área de alto risco da administração pública federal”, sugerindo que o Estado não sabe com precisão quem ocupa ou possui terras no país, abrindo espaço para grilagem de terras, desmatamento ilegal, garimpo e avanço irregular de pastagens, além de casos de violência e impunidade.

Pelo texto do decreto, a integração de banco de dados será centralizada no Ministério do Desenvolvimento Agrário, com a criação do Sinarf (Sistema Nacional de Regularização Fundiária). Essa plataforma digital vai cruzar dados de registros de imóveis e cartórios, do Cadastro Ambiental Rural e do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, o CadÚnico, que identifica famílias de baixa renda.

O decreto trata ainda da criação de um aplicativo batizado de “Meu Imóvel Rural”, no qual o beneficiário poderá acompanhar detalhes sobre a regularização da terra. A ideia é que, com a integração desses dados, o cidadão tenha acesso a crédito rural com juros reduzidos, por exemplo.

A Folha questionou o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que declarou apenas que “a regularização fundiária é o tema prioritário do ministério e está em debate”. O Incra não fez declarações sobre o assunto.

Além do Ministério do Desenvolvimento Agrário, as ações serão operacionalizadas com apoio do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, em regime de parceria com estados municípios.

O TCU apontou, em auditoria sobre a situação fundiária do país, que os sistemas de cadastro e regularização são incompletos, desatualizados ou desconectados entre si.

“Embora o TCU tenha expedido diversas determinações e recomendações ao governo federal nos últimos anos, ainda há muito o que fazer para o aprimoramento e a evolução do conhecimento dos solos brasileiros”, afirmou a corte no documento, concluído no ano passado.

“Persistem problemas como a carência de informações sobre o território brasileiro, a falta de articulação entre instituições governamentais, a ineficiência na organização fundiária e a falta de integração entre os diversos sistemas de dados da governança do solo e da água”, declarou o TCU.

O Atlas da Amazônia Brasileira 2025, estudo feito por pesquisadores contratados pela Fundação Heinrich Böll, aponta que o CAR (Cadastro Ambiental Rural), por exemplo, tem uma série de falhas devido a problemas de checagem de dados e confirmação de informações repassadas pelos cadastrados.

“A inscrição de áreas no CAR tem sido usada como estratégia de ocupação de terras públicas não destinadas, muitas vezes feita por grileiros que tentam simular uma aparência de legalidade sobre a posse ilegal”, aponta o documento.

A estimativa é de uma área equivalente ao estado do Acre esteja hoje registrada no CAR sobrepondo-se a terras públicas federais não destinadas. O problema é sistêmico, porque o sistema aceita sobreposições sem impedir o cadastro pelo usuário.

“Dos milhões de imóveis cadastrados, menos de 1% passou por validação pelos órgãos ambientais estaduais, o que compromete o papel do CAR como instrumento confiável de regularização ambiental”, afirma o relatório.

Sem validação, o CAR não garante que os dados inseridos sejam verdadeiros ou estejam de acordo com a lei. Com a integração de outras bases de dados, o governo espera fazer essa filtragem de informações falsas ou conflitantes.

Não há um número preciso e detalhado sobre a situação de titulação de terras no país, mas as estimativas em geral apontam que cerca de 140 milhões de hectares, o equivalente a quase 17% do Brasil, apresenta um tipo de irregularidade, com problemas com segurança jurídica fundiária.