CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – “É uma mente completamente obcecada.” Assim o curador Marcello Dantas define o artista mexicano Gabriel de la Mora, de 55 anos, que ganha a exposição “Veemente” em Curitiba, onde permanece até novembro.

São 70 telas e instalações criadas a partir de resíduos dos mais variados tipos coletados durante períodos que vão de 9 meses a 5 anos. Lascas de unha cortadas do artista, fios de cabelo e asas de borboleta foram manuseadas e modificadas para evocar elementos provocativos, criados de 2000 a 2025.

O autorretrato do artista, por exemplo, é uma caveira de resina repleta de letras. Letras e algarismos também povoam outras obras, saídas desde placas de numeração de casas até macarrão infantil separado por letrinhas que, no conjunto, formam um poema inspirado na história colonial do México.

“É sobre obsessão, pegar todos os elementos com que você de alguma forma se relaciona e tentar transformá-los a partir de uma nova ótica”, afirma Dantas.

O museu Oscar Niemeyer negociou por dois anos com o artista, que criou a mostra pensando na sala onde estão as obras, após uma visita ao local. “Aqui tem 17.582 fósforos”, aponta o curador, mostrando uma das instalações. “É um nível de autismo muito elevado, fazer a mesma coisa por mais de 10 mil vezes”, diz Dantas sobre o artista mexicano, formado em arquitetura e pintura e que está dentro do espectro autista. Não por acaso, a sala expositiva fica logo ao lado da sala de acomodação para neurodivergentes, disponibilizada pelo museu desde 2022.

A simplicidade dos materiais pode enganar quanto à complexidade da transformação realizada no processo artístico, já que a manipulação e criação geométrica com fios de cabelo e asas de borboleta, bem como cascas de ovos e dinheiro triturado requer atenção e paciência extremas.

Como acontece com frequência na arte visual contemporânea, o processo chama mais a atenção do que o resultado final. Cada obra denota uma verdadeira jornada no tempo, que transparece nas solas de sapato que compõem outra instalação, nas quais fica visível o quanto “o calo de cada um dói em um lugar diferente”, causando furos em pontos únicos.

Ao redor da sala, a percepção do espectador é desafiada naquilo que vê e percebe, o que vai além da surpresa ao descobrir o material de que é feita cada obra. Lascas côncavas de bolas de enfeite de Natal, justapostas, permitem ao visitante enxergar-se infinitas vezes, enquanto a ótica cria jogos de ilusão para o olhar e convida a pessoa a deter-se mais tempo ali -o que não deixa de ser educativo em tempos de ansiedade digital.

Na parede de fundo da sala, caixas de som foram desconstruídas, separando a madeira do tecido dos autofalantes -onde é possível identificar as manchas deixadas pela passagem das ondas sonoras durante um longo período de tempo. Somente nesse ponto da mostra é possível ouvir música, que faz parte da instalação.

“É a primeira obra de um museu que se assume uma pintura de merda”, diz o curador, sobre uma das obras, realizada com excremento do artista, em diálogo com as famosas e polêmicas latinhas de Piero Manzoni, de 1961.

Apesar de tantas provocações nas paredes, quem entra na sala é atraído primeiro para uma longa mesa no centro onde estão 34 tipos de material para serem manuseados de forma interativa. Macarrão cru, fios de lã, palitos, cascas de ovos, penas de aves, entre outros. As crianças correm para lá; os adultos sondam um pouco, mas também acabam se rendendo a criar suas próprias invenções, ou simplesmente relaxar apertando um punhado de feijão. Quem diria?

“É uma experiência para o público de maneira manual, porque hoje em dia as imersões são muito digitais”, diz a diretora do museu, Juliana Vosnika. “Vamos trazer grupos de neurodivergentes, cadeirantes, aproveitar essa imersão. Inclusive, o curador do museu Jumex, na Cidade do México, onde Gabriel também criará uma exposição específica no local, soube da nossa mesa e quer uma igual. Ficou com ciúmes”, brinca.

Necessário dizer que o ciclo de vida das borboletas coletadas para as telas que usam asas é muito curto: não foram mortos para criar arte.

VEEMENTE

Quando Ter. a dom., das 10h às 18h. Até 16 de novembro

Onde Museu Oscar Niemeyer – r. Mal. Hermes, 999, Curitiba

Preço R$ 30; entrada gratuita às quartas-feiras

Autoria Gabriel de la Mora