WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Eram 6h30, Aline (nome fictício) se preparava para levar os dois filhos, de 7 e 9 anos, ao colégio e tirava roupas do varal do quintal de casa quando uma vizinha a abordou com a notícia: seu marido havia sido preso pelo ICE (órgão de imigração nos Estados Unidos).
Sem acreditar, correu para dentro de casa e pegou o celular. Os grupos de WhastApp estavam a mil alertando que agentes de imigração estavam em Martha’s Vineyard, ilha no estado de Massachusetts, onde mora. Quase simultaneamente, recebeu o pior: fotos tiradas por moradores que passavam pelo local registravam seu marido e comprovaram o ocorrido. A família está em situação irregular nos EUA e foi por isso que o marido foi detido.
“Ele saiu de casa cedo no carro da companhia. Os carros o cercaram, ele desceu e apresentou a carteira de motorista. Ele disse que demorou a cair a ficha, que perguntou se iria demorar porque ele precisava trabalhar. Aí eles já voltaram e o algemaram”, conta.
Jefferson (também nome fictício) trabalha na área de jardinagem na ilha e foi o primeiro detido da operação conduzida por funcionários do governo Donald Trump em 27 de maio no local. Naquele dia, 40 pessoas foram presas entre Martha’s Vineyard e Nantucket, ilha vizinha.
“Fiquei desesperada. Falei para as crianças que eu não iria trabalhar e elas não iriam para a escola. A vizinha me levou para a casa dela para beber um copo com água e os meninos ficaram lá em casa. Daqui a pouco, a gente olha por uma das portas, que é de vidro, e vê os agentes da imigração se aproximando da minha casa”, relata.
Até então, Aline não sabia, mas os policiais foram lá em busca de um outro brasileiro que acabou detido e já tinha morado naquela casa, por isso constava como endereço. O marido de Aline estava no carro naquela hora.
“Minha vizinha pediu à filha dela (ambas são residentes legais nos EUA) que fosse à minha casa pela entrada de trás e buscasse meus filhos e os levasse para onde eu estava, o que ela conseguiu fazer. Ficamos lá enquanto eles entravam na minha casa. Não acharam ninguém e foram para a casa da vizinha. Tentaram abrir a porta de todo jeito. Foram uns 10 minutos, que duraram um ano para mim”, conta.
Aline e o marido mudaram-se de Roraima para os EUA há cerca de três anos. Jefferson é de Mantenópolis, Espírito Santo, conhecida pela emigração à ilha e tem parentes no local. Mesmo depois de ele ter passado num concurso em Roraima, os dois decidiram arriscar morar na ilha.
Neste ano, porém, com o aumento no rigor da imigração, resolveram voltar. Por isso, Jefferson já tinha passagem comprada para retornar ao Brasil em julho, a tempo de reassumir o cargo no concurso. Aline ficaria um tempo a mais para concluir o verão, período mais promissor em termos financeiros.
Jefferson argumentou com os agentes da imigração que já tinha passagem de volta comprada, mas não adiantou. Ele foi levado ao centro de detenção de Burlington, onde relatou à esposa que, quando se encontrava espaço para dormir -em função da lotação- era no chão de concreto. Lá foi o mesmo lugar onde ficou preso o estudante Marcelo Gomes, 18 anos, detido pela imigração enquanto ia a um treino de vôlei.
Ali, lhe foram dadas três opções: ou seria deportado, ou optaria pela autodeportação e compraria uma passagem ao Brasil, ou tentaria um processo para ser solto com fiança.
Aline conta que optou pela segunda opção já que possuía bilhetes ao país. Ali, começou uma saga. Ele primeiro remarcou a passagem, mas acabou transferido a outro presídio e perdeu a data. Comprou outra e, finalmente, conseguiu acertar outra data para os policiais o levarem ao aeroporto e, 15 dias depois, nesta semana, embarcou ao Brasil.
“Ele disse que foi levado de camburão para o aeroporto, algemado, pé, barriga, mão. Aí, quando chegou lá na porta, eles tiraram as algemas dele, e dois agentes à paisana o levaram ao avião.”
Agora, Aline está no processo de designar uma guardiã, cidadã americana, para levar os dois filhos ao Brasil ainda neste mês. No processo para resolver a situação do marido, precisou arcar com gastos de passagens, advogados, e, por isso, quer arriscar permanecer mais um pouco nos EUA para recuperar o dinheiro perdido, a despeito do medo. Mas, para isso, quer assegurar que os filhos já estejam no Brasil com o pai caso ela seja pega.
Valmir Rodrigues, 53, contador brasileiro que mora na ilha há 9 anos, está ajudando Aline no processo e diz que são diversos casos por mês de mães e pais que estão designando a guarda dos filhos a outras pessoas. “O terrorismo está dando certo. As pessoas estão desesperadas. O problema agora é que não tem mais lei, os critérios são arbitrários”, diz.
O pastor Ricardo Duarte mudou-se há pouco mais de dois anos para inaugurar a Lagoinhas e diz que muitos fieis os procuram em busca de conselhos e ajuda e que sentiu um clima de pânico tomar a comunidade.
Massachusetts, estado com forte presença de imigrantes, é um dos mais atingidos pelas políticas de Donald Trump. Os brasileiros estão entre as principais comunidades estrangeiras que residem no estado.
Na semana passada, o ICE divulgou ter feito uma grande operação no estado ao longo de maio que resultou na prisão de 1.461 pessoas, das quais 790 são descritas como “significativamente criminosas” e 277 já têm ordem de deportação aprovadas por juízes. Entre os detidos, há ao menos três brasileiros.
Um deles, de 29 anos, foi acusado de estupro de uma criança e pornografia infantil e foi preso em Edgartown, em Martha’s Vineyard. Ele foi acusado de estupro de uma menor de idade e sua foto chegou a ser exposta em uma coletiva de imprensa na Casa Branca. Moradores da ilha o defendem, dizendo que ele namorava uma garotada de 16 anos, em relacionamento consentido pelo pai, mas que a imigração tem arrumado desculpas e exagerado nos casos para justificar seus atos.