BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Justiça avançou durante o terceiro mandato do presidente Lula (PT) na concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago pelo Tesouro Nacional a idosos e pessoas com deficiência consideradas de baixa renda.
Enquanto as autorizações pela via tradicional perdem força, os tribunais têm acelerado o ritmo de concessão e já são responsáveis por mais de um terço dos novos pagamentos.
As decisões dos magistrados são vistas como um dos principais motivos para a elevação da despesa total com o programa, ao lado de mudanças legais e de medidas do próprio Executivo que ampliaram o acesso ao benefício.
Entre ministros do governo, aponta-se que o Poder Judiciário tem decidido de forma expressiva a favor dos pedidos mesmo a quem não se encaixa nas regras.
Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, o benefício vem crescendo aceleradamente e se consolidando como uma preocupação na área fiscal entre membros do governo. Mantido o ritmo atual, o gasto pode ultrapassar o do Bolsa Família nos próximos anos.
O crescimento do estoque de beneficiários do BPC por via administrativa, que registrou uma média de 10% em 2023 (contra o ano anterior) e 11% em 2024, reduziu o ritmo de avanço para 6% em 2025.
Enquanto isso, o número de beneficiários por decisões judiciais cresceu a uma média de 14% em 2023 e acelerou para 21% em 2024 e outros 21% nos primeiros quatro meses de 2025.
Considerando o saldo de beneficiários, que aponta apenas a quantidade de novas concessões, a via judicial foi responsável por 36% dos casos nos últimos 12 meses terminados em abril de 2025. Um ano antes, esse índice era de 21%.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou gráficos sobre o crescimento do BPC a parlamentares neste mês. Para ele, há uma “indústria de liminares” que compromete a eficiência dos programas sociais.
“Nós temos parâmetros, no ministério, que são definidos por especialistas. Mas quando isso passa por uma máquina de judicialização e uma indústria de liminares, perde-se o controle da situação e, muitas vezes, falta dinheiro para quem precisa e tem direito”, disse ao citar o BPC em comissão no Congresso na quarta-feira (11).
“Isso não é bom para o programa. Bom é ele funcionar de forma absolutamente coerente com o que determina a Constituição.”
Ele afirmou que a AGU (Advocacia-Geral da União) está trabalhando com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em uma maneira de compatibilizar as decisões judiciais com os critérios do MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome).
“Estamos, agora, negociando com o CNJ, para verificar se a gente coloca uma racionalidade adequada, para que a gente tenha orgulho de ser um país acolhedor e inclusivo, que é o que todos nós defendemos”, disse.
Recentemente, por exemplo, o TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) concedeu o BPC a uma criança com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) mesmo após as perícias administrativa e judicial não constatarem deficiência. De acordo com o juiz, “pelo conjunto probatório, é possível conhecer a deficiência de longa duração”.
O magistrado afirmou que, para análise do benefício, não é exigida a comprovação da incapacidade laboral, mas sim a comprovação da deficiência. Ele disse ainda que a lei não faz referência à necessidade de a doença ser “leve, moderada ou grave, especialmente quando se trata de criança”.
De acordo com o governo, a condição de deficiência para receber o BPC “tem de ser capaz de lhe causar impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo”, com efeitos de pelo menos dois anos, que impossibilitem a pessoa “de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas”.
As ações do BPC estão inseridas em um universo mais amplo de judicializações. O INSS como um todo é o recordista de envolvimento em disputas judiciais no país, respondendo sozinho por mais de 4,2 milhões de processos. Segundo o governo, a alta judicialização decorre de várias causas, como demora na análise de pedidos, deficiências de estrutura e pessoal e não incorporação em normas internas de entendimentos já pacificados pelos tribunais -o que leva ao ajuizamento de ações para o acesso a benefícios.
De acordo com informações prestadas pelo MDS à reportagem, um grupo de trabalho formado entre membros do Executivo e do Judiciário concluiu recentemente os trabalhos para mitigar o problema.
Entre as conclusões, o grupo sugeriu a adoção, pela Justiça, do instrumento de avaliação atualmente usado pelo Executivo, além do compartilhamento de dados entre os dois Poderes, a cooperação para capacitação sobre o tema e a incorporação da jurisprudência já criada nos tribunais nas normas do Executivo.
“Cabe aos Poderes avaliar os resultados do grupo de trabalho, com vistas à implementação das sugestões, bem como manter aberto o diálogo interinstitucional, a fim de garantir mais racionalidade e eficiência às políticas públicas assistenciais”, afirma a pasta. De acordo com Haddad, as novas regras devem sair nos próximos dias.
REGRAS DO BPC
– Para ter direito ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), que corresponde a um salário mínimo por mês (R$ 1.518 neste ano), é preciso ser idoso com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência de qualquer idade
– No caso da pessoa com deficiência, a condição tem de ser capaz de lhe causar impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (com efeitos por pelo menos dois anos), que a impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade e em igualdade de condições com as demais pessoas
– Para ter direito ao BPC, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja igual ou menor que um quarto do salário mínimo
– Além do requisito de renda, as pessoas com deficiência também passam por avaliação médica e social do INSS
– O beneficiário do BPC, assim como sua família, deve estar inscrito no Cadastro Único (que reúne as famílias aptas a receberem benefícios sociais)