SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em “Uma Delicada Coleção de Ausências”, seu romance recém-lançado, Aline Bei se arrisca pela primeira vez em uma narrativa em terceira pessoa. Em entrevista à Folha, a autora conta que só agora se sentiu preparada tecnicamente para explorar essa forma de escrever.

A escritora Aline Bei, de ‘Uma Delicada Coleção de Ausências’, que fala na Bienal e na Feira do Livro Isadora Arruda Conhecida pela intimidade da voz das narradoras de seus dois primeiros livros –“O Peso do Pássaro Morto”, de 2017, e “Pequena Coreografia do Adeus”, de 2021–, ela tem agendas disputadas na programação da Bienal do Livro no Rio Janeiro e da Feira do Livro em São Paulo.

É, de certo modo, uma mudança de ponto de vista que também aponta para uma abertura: com este livro, Bei encerra o que chama de sua “trilogia involuntária”. Se toda sua obra até aqui se concentra em temas parelhos relacionados a infância, maternidade, abandono e relações geracionais, ela pretende pôr um ponto final nesse assunto com o novo livro.

A história acompanha três gerações de mulheres: Felipa, a matriarca; sua filha, Margarida; e Laura, neta de Margarida. Glória, mãe de Laura, está ausente da narrativa –é mencionada apenas por sua fuga

Todas as mulheres da família, cada uma à sua maneira, procuram fugir do destino que lhes parece traçado. “A ausência de Glória é apenas a forma mais radical desse gesto. Esse desaparecimento a aproxima de outras mães que já passaram pela minha trilogia”, diz Bei.

A quiromante Margarida, por exemplo, surgiu de uma imagem colhida pela escritora numa viagem a Buenos Aires –uma senhora que carregava uma placa com os dizeres “leo las manos”, ou “leio mãos”.

A personagem ecoa referências que moldaram a formação de Bei: “A Cartomante” de Machado de Assis, “um conto perfeito”, segundo ela; a vidente do romance “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector; e a leitora de tarô de “Cléo das 5 às 7”, filme de 1962 de Agnès Varda, que diz à personagem de Corinne Marchand que a carta da morte não a condena necessariamente ao fim da vida.

O circo em que se ambienta parte do romance vem de uma pesquisa antiga da escritora. É nesse cenário performativo que se desenrola a delicada coleção do título –uma sucessão de perdas, silêncios e gestos que desenham a trama.

Como em seus livros anteriores, a autora se vale de diversos elementos visuais na página, como espaçamento e variações na tipografia, para intensificar o fluxo de sua história. São manchas de texto bastante incomuns em cada página.

“Para mim, a poesia não funciona como forma, é algo que se constrói dentro da narrativa”, diz Bei, que afirma respeitar “o fôlego de suas frases” em busca de uma prosa sonora.

Atriz de formação, a escritora reconhece na obra uma energia cinematográfica com referências a Federico Fellini, Chantal Akerman e Ingmar Bergman –especialmente de “Gritos e Sussurros”, de 1972, filme que também mergulha na vastidão sentimental de personagens femininas angustiadas e seus vínculos familiares.

A referência não é gratuita: assim como Bergman, Bei constrói uma dramaturgia que se desenrola no espaço interior de suas personagens e cuja resolução não se dá pela ação, mas pela escuta.

Apesar da densidade dos temas, o romance não se entrega ao desespero. Há nele uma delicadeza que vem da atenção às ausências na narrativa. A autora não teme o uso dos fragmentos nem o dos intervalos, e é nesse respeito à pausa que se consolida a autenticidade de sua literatura.

Com “Uma Delicada Coleção de Ausências”, Aline Bei afirma encerrar um ciclo e, ao mesmo tempo, dar início a outro. O romance se prova como um ponto de chegada que se abre, como as mãos das clientes da quiromante, para o que ainda está por vir.

Uma Delicada Coleção de Ausências

Preço: R$ 69,90 (288 págs.); R$ 29,90 (ebook)

Autoria: Aline Bei

Editora: Companhia das Letras

Aline Bei na Feira do Livro de São Paulo

Quando: Domingo (15), às 15h, em conversa com Bruna Dantas Lobato

Onde: Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo

Preço: Grátis

Aline Bei na Bienal do Livro

Quando: Quinta-feira, 19, às 12h

Onde: Espaço “Café Literário Pólen” da Bienal, pavilhão do Riocentro, no Rio de Janeiro

Preço: R$ 42 (inteira)