SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Gretta Star, 69, é um cometa. Deixou seu rastro luminoso de Santos a Tóquio. Experimentou ser hostess, vedete, concubina, atriz, maquiadora e até tesoureira. Encarou o preconceito, a marginalidade e o HIV.

“Mas você acha que uma bicha nova quer ouvir isso?”, questiona a mulher trans em seu apartamento no edifício Viadutos, marco arquitetônico no centro de São Paulo. “Não mesmo. Para essa turma, a vida é pura festa. Hoje pode até ser, mas alguém pavimentou.”

A 29ª Parada do Orgulho, marcada para o próximo domingo (22), pode ser uma oportunidade para Gretta falar e receber a atenção merecida. O evento traz o tema “Envelhecer LGBT: Memória, Resistência e Futuro” e promete celebrar o passado e o presente da comunidade.

“Os jovens precisam entender uma coisa: se hoje eles podem beijar e andar de mãos dadas, muita gente apanhou”, diz ela.

Gretta nasceu em 10 de setembro de 1955 em Santos, no litoral paulista. Na adolescência, começou a perceber-se mulher. Aos 18 anos, fugiu de casa para não causar preocupação aos pais. Anos depois, voltou loira, bronzeada e com peitos.

De 1985 a 1989, viveu no Japão e se apresentou em diversos países do leste asiático.

Voltando ao Brasil, se fixou em São Paulo. Virou estrela das célebres casas noturnas Nostro Mondo, Homo Sapiens, Corintho, Sky, Freedom e Blue Space. Começou também a trabalhar como maquiadora profissional.

Na década de 1990, descobriu viver com HIV. Em uma apresentação, revelou publicamente a sua sorologia. “Eu vivi, nossa! Aproveitei muito e fiz muitos amigos”. Faltou, porém, fazer uma poupança, mas as companhias são mais valiosas que qualquer montante, afirma.

Para sustento atualmente, Gretta segue arrastando fãs para apresentações, além de fazer maquiagens. Na noite, ainda encontra e louva colegas das antigas, como as transformistas Márcia Pantera, 55, e Silvetty Montilla, 57.

O trio deve estar reunido na Parada. Gretta esteve em todas. Ama a data, mas faz uma crítica. “As pessoas esqueceram do lado político e focam apenas na festa”, diz ela, saudosa da primeira edição, em 1997, quando um pequeno carro de som era todo o evento.

Jeff Celophane, 62, embarca na mesma lamentação. O cenógrafo, carioca de nascimento e paulistano por opção, sempre enxergou a parada como um espaço de ativismo. Isso, porém, tem sido apagado, opina.

A comunidade LGBT+, diz ele, se esqueceu de quando Nelson Matias, atual presidente da Parada, decidiu celebrar o dia oficial do orgulho gay ocupando a avenida Paulista com seu namorado, um bandeirão arco-íris e cerca de 2.000 pessoas gritando por cidadania e respeito.

“É muito fácil ignorar o que todos já passamos. Hoje, a galera tem uma liberdade inimaginável”, diz Jeff, que sexagenário resolveu mudar radicalmente seu estilo de vida.

Um apartamento enorme deu lugar a um estúdio. Relacionamentos conturbados à solitude. Uma carreira consolidada a novos desafios. Tudo isso após um AVC (acidente vascular cerebral) na pandemia.

Falar do fim, agora, não é nada triste para ele. É libertador e tão natural quanto falar do HIV, nunca revelado à mãe, mas motivo de sua entrada e permanência na militância. “Se você pode curtir sua vida hoje, é porque muita gente morreu. É bom lembrar.”

ENVELHECER

O tema escolhido para a Parada este ano acontece em meio a uma aceleração do envelhecimento da população brasileira na última década. Pessoas de 65 anos ou mais já representam 10,9% do total de habitantes no país -dos 203,1 milhões de brasileiros, 22,2 milhões estão nesta faixa etária.

É o que apontam dados do Censo Demográfico 2022 divulgados em 2023 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O percentual de idosos é o maior desde o primeiro recenseamento realizado no Brasil, em 1872, disse o instituto. Não há recortes por orientação sexual na pesquisa.

Em termos absolutos, a população nessa faixa etária (22,2 milhões) superou o número total de habitantes de Minas Gerais (20,5 milhões), o segundo estado mais populoso do país.

Ainda em termos absolutos, o contingente de idosos de 65 anos ou mais teve um salto de 57,4% em relação ao recenseamento anterior, de 2010. À época, a população nessa faixa etária era de 14,1 milhões, o equivalente a 7,4% do total de habitantes.

Uma comparação mais longa também dá uma dimensão do envelhecimento dos brasileiros. Em 1980, os idosos de 65 anos ou mais representavam 4% da população total. O percentual cresceu ao longo das décadas seguintes, até superar os 10% em 2022.