BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Morreu neste sábado (14), aos 95 anos, a ex-presidente da Nicarágua, Violeta Barrios de Chamorro, que governou entre 1990 e 1997, e que deixa para as gerações futuras um legado democrático em tempos em que reina em seu país uma violenta ditadura. Ela enfrentou longa doença, anunciou sua família.

Chamorro participou de uma coalizão de forças de diversos setores da sociedade, da Igreja e de partidos políticos que deram força para que a Frente Sandinista de Libertação Nacional derrubasse a dinastia Somoza do poder, em 1979. Depois disso, Chamorro integrou a junta que governou o país enquanto este se reorganizava politicamente.

Logo, porém, mostrou ter diferenças com aquele que viria a ser o principal líder do sandinismo, Daniel Ortega, hoje ditador do país. Nas eleições de 1990, Chamorro se candidatou e o derrotou nas urnas.

Nos anos em que esteve no poder, mudou a orientação socialista que os sandinistas estavam dando ao governo, e seu período é lembrado como o de um respiro democrático do período pós-revolucionário.

Implementou ajustes e reformas liberais, com abertura econômica, tentando recuperar o país de sua frágil situação após anos de conflito. Também foram tempos de tolerância com relação à liberdade de imprensa e da inclusão, na pauta parlamentária, de questões relacionadas a liberdades civis. Isso tudo teria um forte retrocesso depois, com o retorno de Ortega -vale lembrar que a Nicarágua é dos poucos países no mundo em que o aborto é proibido em qualquer situação.

Houve, porém, fortes críticas à sua gestão devido à sua aproximação com os EUA, que queriam os sandinistas longe do poder, e com a CIA, que passou a atuar no país buscando rotas de narcotráfico.

“É incrível olhar com os olhos de hoje. Mas eu, na época da Revolução Sandinista (1979), era um fiel seguidor do movimento, dirigia o jornal oficial, era leal a Ortega e fui contra a candidatura da minha mãe, que era vista como uma burguesa por jovens revolucionários como eu. Agora reconheço que seu legado é imenso e se tivéssemos seguido o caminho que ela apontou, talvez a Nicarágua não estivesse nessa situação”, diz à Folha o filho mais novo de Violeta, Carlos Fernando Chamorro, hoje diretor de um jornal opositor a Ortega, o “El Confidencial”.

Primeira presidente mulher da Nicarágua, Chamorro teve uma trajetória peculiar. Havia sido casada com Pedro Joaquín Chamorro Cardenal (1924-1978), diretor do jornal “La Prensa”, um feroz crítico da ditadura de Anastasio Somoza Debayle e que terminou sendo assassinado.

“A partir daí, ela se tornou ainda mais envolvida nas questões políticas, assumiu a direção do jornal e deixou a mim e a meus irmãos a lição de que a liberdade de expressão era uma coisa sagrada, embora houvesse diferenças entre o modo como pensávamos”, diz Carlos Fernando Chamorro. Além dele, o casal teve outros três filhos, Pedro Joaquín, Claudia Lucía e Cristiana.

Nos últimos anos, Chamorro já estava distanciada da política. Segundo o intelectual nicaraguense Sérgio Ramírez, que chegou a ser vice-presidente de Ortega, nos anos 1980, Chamorro foi se desiludindo com o futuro do país. Depois, vieram os problemas de saúde, e, há poucas semanas, uma embolia tornou seu estado mais grave.

Hoje também um dissidente do sandinismo e dedicado basicamente à literatura, Ramírez diz que “A história certamente fará justiça a Violeta, principalmente se olharmos para nossa triste situação nos dias de hoje. Uma mulher corajosa, tomou as rédeas da luta do marido, mas também impôs uma marca pessoal num momento em que era muito perigoso fazer política”, diz Ramírez à Folha.