SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Samuel Mac Dowell de Figueiredo, advogado que, na ditadura militar, atuou em casos como o do jornalista Vladimir Herzog e do guerrilheiro Carlos Marighella, tentou fazer um aeroporto em Ilhabela. Por meia década, elaborou projetos e articulou os setores público e privado, mas o projeto deu errado. Irritado, decidiu tirar do papel algo que, ao menos num primeiro momento, só dependeria dele -criar um centro cultural no litoral paulista.

“Tanto o aeroporto como o centro cultural partem da percepção de que a infraestrutura pública da região era -e ainda é- extremamente deficiente. Estradas, acessos, rede de ensino, esgoto, era só deficiência. Foram as duas ideias que tive para contribuir”, afirma Mac Dowell.

Em 2015, fincando sua bandeira, o Instituto Baía dos Vermelhos, ou só Vermelhos, realizou seu primeiro festival de música e artes cênicas autointitulado, em seu espaço ainda em construção. Da inauguração até a edição deste ano, que começa em 4 de julho, o Festival Vermelhos só foi interrompido, em 2020 e 2021, pela pandemia de coronavírus.

Naquela primeira edição, a atriz e diretora Denise Stoklos, o maestro Julio Medaglia, a São Paulo Companhia de Dança, a Orquestra Popular da cidade e mais artistas se distribuíram entre o Anfiteatro da Floresta, espaço mesclado com a mata, e um palco de madeira erguido no canteiro de obras do inacabado Teatro de Vermelhos, ambos então a céu aberto, convidando os frequentadores a abandonarem, por um momento, os banhos de mar para dar as boas vindas ao instituto que nascia ali.

Hoje, além do Anfiteatro e do Teatro -aptos a receber, respectivamente, até 220 e mais de mil espectadores- a estrutura conta com a Sala do Porão, para shows menores, de até 200 pessoas, e deve inaugurar em breve a Residência Artística, uma vila com capacidade para receber 60 criadores, além de uma galeria de arte.

“Esse projeto, quando existia apenas no papel, não transmitia segurança. Ele era improvável. Nós entendemos que Vermelhos precisava existir para se colocar”, diz o advogado. “A Ilhabela é um lugar remoto, não tem tradição nessa atividade, o acesso é difícil. Não angariamos nenhum apoio para a implantação, ele existiu quando eu decidi realizá-lo.”

Uma vez erguido, o espaço fala por si mesmo. “Não vou dizer que é único, mas é particular, inspirador e muito expressivo”, diz. Ainda assim, uma década depois de sua inauguração, o Vermelhos enfrenta um ponto de inflexão.

O instituto ainda não conseguiu patrocínios que deem segurança para a manutenção de suas atividades. Tampouco está contemplada a transversalidade pensada por Mac Dowell para o espaço, que deve abarcar, além dos shows, uma programação de literatura, ópera e artes plásticas. O próprio teatro acabou escanteado nos últimos anos.

Outro braço do Vermelhos que ainda não foi desenvolvido é o educacional. Mac Dowell quer formar grupos musicais com a reunião de alunos das redes pública e privada para que se desenvolvam, atuem profissionalmente em seus setores e se organizem na formação de uma orquestra jovem local. O projeto, no entanto, depende de certa estabilidade financeira e pedagógica.

“O Vermelhos não tem como suportar uma atividade deficitária por um período indeterminado. Até agora, eu considerei que era tudo um investimento. Estamos à espera desse momento mágico de virada da chave”, afirma.

Mas o Vermelhos acumulou mais do que desafios. Desde que foi inaugurado, o instituto conseguiu atrair para o litoral paulista shows de Seu Jorge, Ney Matogrosso e Zélia Duncan, do violonista Yamandú Costa, da cantora Wanda Sá, do pianista João Donato, dos músico Edu Lobo e João Bosco

Estabeleceu parcerias com a São Paulo Companhia de Dança, o Theatro São Pedro, a organização Santa Marcelina, o Teatro Municipal de São Paulo, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Brasil Jazz Sinfônica e a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo -fundamentais para garantir a credibilidade do espaço.

Na opinião de Mac Dowell, o Vermelhos é prejudicado pelo funcionamento da Lei Rouanet. O incentivo fiscal deixa na mão das empresas decidir para quais projetos artísticos vai o dinheiro de seus impostos. Para o advogado, que assume não ser nenhum especialista no assunto, essas empresas, por sua vez, priorizam patrocinar projetos que funcionam como marketing para seus públicos consumidores.

“O que eu lamento por duas razões. Primeiro, porque eu acho que não é esse o objetivo da lei de incentivo fiscal. E, segundo, eu acho que isso é uma análise muito imediatista. Se for considerado que uma instituição dessa pode se desenvolver de maneira sólida ao longo dos anos, esse alcance, naturalmente, vai se expandir.”

O festival Vermelhos deixou de ser gratuito em sua terceira edição, de 2017, porque a verba arrecadada junto à prefeitura e via Lei Rouanet só conseguiu bancar 80% do custo do evento.

Mac Dowell descarta a ideia de que música clássica não interessa às pessoas. Ele afirma que, desconsiderando os shows de artistas como Ney Matogrosso e Seu Jorge, suas maiores plateias são as das apresentações de orquestras sinfônicas. Em março, o Vermelhos recebeu com casa cheia a Orquestra de Câmara da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Um cálculo feito em tempo real pelos funcionários da instituição estimou que cerca de 90% do público era da própria ilha.

Uma das apostas para o futuro do espaço de cultura é passar a ter uma atividade menos sazonal, vontade anunciada por Mac Dowell desde o fim da pandemia. Até aqui, o Vermelhos se acostumou a concentrar sua programação em julho, quando acontece o festival, e na virada do ano, os dois períodos mais movimentados da cidade.

“Eu tenho me questionado sobre a conveniência disso. Exige do público um gasto muito concentrado. Teve anos em que tivemos 30 eventos em 9 dias, três fins de semana. Depois, fechávamos as portas. Neste 2025, caminhamos para desconcentrar a programação e estendê-la ao longo do tempo.”

VEJA ABAIXO A PROGRAMAÇÃO DO FESTIVAL VERMELHOS 2025

PRIMEIRO FIM DE SEMANA

**Sexta-feira, 4 de julho**

20h30, no Teatro de Vermelhos: Mônica Salmaso e André Mehmari

**Sábado, 5 de julho**

19h, no Teatro de Vermelhos: Assucena e Funmilayo Afrobeat Orquestra em um espetáculo duplo

**Domingo, 6 de julho**

11h, no Anfiteatro da Floresta: Edu Ribeiro Trio e Toninho Ferragutti

16h, no Teatro de Vermelhos: João Carlos Martins e Orquestra Bachiana Filarmônica

SEGUNDO FIM DE SEMANA

**Sexta-feira, 11 de julho**

20h30, no Teatro de Vermelhos: André Mehmari em “Jarrett 80: A Música de Keith Jarrett”

**Sábado, 12 de julho**

11h, na Sala do Porão: Cristian Budu

20h30, no Teatro de Vermelhos: São Paulo Companhia de Dança

**Domingo, 13 de julho**

11h, no Anfiteatro da floresta: Apresentação de músicos locais

16h, no Teatro de Vermelhos: Orquestra Sinfônica de Vermelhos, com regência de Roberto Minczuk e Estefan Yatcekiew no piano