SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Só de falar ‘homem e afeto’, o homem que se permite afeto com outros homens, já causa alvoroço”, diz Daniel Bittar, 35, terapeuta integrativo que promove retiros espirituais.
O curso não se resume ao afeto masculino. Também ajuda homens com dificuldades relacionadas ao corpo e à sexualidade a se transformarem.
A maioria dos frequentadores é formada por gays e bissexuais. O curso é oferecido na casa do terapeuta, um espaço grande e iluminado em uma rua tranquila e arborizada do Sumarezinho, bairro residencial de classe média alta na zona oeste de São Paulo.
Em dias e horários comerciais, ele promove sessões individuais de terapia tântrica. Em finais de semana e feriados, oferece retiros para grupos de até 20 pessoas. Uma vez por ano eles se reúnem também em uma casa em Ilhabela, no litoral norte paulista.
Produtor audiovisual de formação, Dani -como ele se apresenta- conta que estudou práticas de tantra e neotantra na Índia, na ilha tailandesa de Koh Phangan e em Bali, na Indonésia, ainda sem intenção de trabalhar na área.
A ideia para os workshops surgiu na Tailândia, quando ele tentou fazer uma imersão em neotantra com amigos. O local, porém, não aceitava casais gays, e o grupo foi proibido de participar das práticas. Ele então testou o modelo com conhecidos na Itália e depois o levou para São Paulo.
“Nesses cursos eu comecei a entender que há emoções, bloqueios, traumas que eles chamam de ‘couraças’, que são essas tensões que a gente vai juntando pelo corpo”, conta.
Tantra é um sistema de práticas esotéricas e rituais religiosos encontrados na base de diversas escolas do hinduísmo e do budismo. Usa técnicas como meditação, respiração e autoconsciência.
O neotantra, por sua vez, é uma abordagem das práticas tântricas com influências ocidentais, desenvolvida por Osho (Bhagwan Shree Rajneesh) -líder espiritual indiano retratado, por exemplo, na série documental “Wild Wild Country”, da Netflix. A prática se propõe a ressignificar traumas e relacionamentos e promover uma maior consciência e conexão consigo mesmo e com os outros.
Assim, o curso Body & Heart combina momentos de ioga, meditação, dança, massagem, abraços, carinhos e até sexo, dependendo de cada um. Nada é obrigatório -há quem participe de todas as atividades e quem escolha deixar o retiro antes do fim.
Daniel Bittar diz que o fundador elegeu o sexo como uma das possibilidades para a conexão e a iluminação, mas diz entender que esta não é a única forma de alcançar tais objetivos. “Um dos caminhos é explorar a energia sexual, o que não acontece necessariamente pelo sexo. Muito disso ele [Osho] mistura com outras práticas de bioenergética.”
Segundo ele, há alunos que chegam ao curso também por indicação de psicólogos e psiquiatras.
A influenciadora Talita Gois, estudiosa do neotantra, diz que aliar a prática a outros tratamentos pode ser uma boa abordagem. “A maioria dos tratamentos psiquiátricos foca na regulação emocional e química do cérebro, o que é importantíssimo. Mas o corpo fica muitas vezes fora da equação. O neotantra pode ser uma ferramenta complementar.”
Para ela, a prática “reativa o corpo, o desejo, o toque, o vínculo com o prazer que muitos pacientes perderam, seja por conta de traumas, medicação ou repressão emocional”.
No caso do próprio Daniel Bittar, foi o vício em pornografia que o fez buscar soluções. Nos cursos que promove há também alunos com problemas para se livrar da dependência no chamado chemsex, que é o sexo com uso de substâncias psicoativas.
A combinação das técnicas, segundo Bittar, tem como um dos objetivos transformar o modo como os homens lidam com a própria sexualidade. “O Body & Heart traz essa potência sexual que gira em torno da sexualidade do homem gay, principalmente, para o coração, para a sutileza, para esse lugar mais equilibrado.”
Para ele, esse é também um caminho de cura contra a repressão estimulada por uma sociedade preconceituosa. “Quando você se conecta com o seu sentir e para de rejeitar as suas emoções, todo esse sistema opressor, que você pode nomear como homofóbico, machista, patriarcal, vai se dissolvendo”, diz. “Nada é um processo repentino. É um trabalho para uma vida.”
O curso de quatro dias em São Paulo custa R$ 2.500. Em Ilhabela, com hospedagem e alimentação por quatro dias, as opções vão de R$ 5.000 (quarto compartilhado simples) a R$ 19.900 (grandes suítes de luxo). Há também um programa social com descontos, diz Bittar.