SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Familiares da brasileira Daniele Cândido da Silva, 34, presa há quase um mês em um centro de detenção no Arizona, nos Estados Unidos, relatam que ela está sem acesso ao seu tratamento para lúpus, uma doença autoimune, e passou por episódios de maus-tratos e falta d’água.

Ela faz uso diário de um remédio por via oral e toma injeções semanais, conta à Folha de S.Paulo o irmão Ricardo, que vive no Brasil. Sem acesso à medicação, Daniele relatou que sente dores articulares e apresenta sangue nas fezes e na urina. “Ela está muito assustada.”

A última vez que os dois se falaram ao telefone foi no domingo (8). Daniele vive na cidade de Marlborough, no estado de Massachusetts, e tem autorização de trabalho com validade até 2029. Ela foi detida pelo ICE, o serviço de imigração americano, no dia 17 de maio. Um vídeo mostra que os agentes, com máscaras, estavam no estacionamento do prédio onde mora à espera dela.

O governo de Donald Trump transferiu-a dias depois da prisão para o centro de detenção Eloy, no Arizona, a cerca de 4.500 km de distância de Marlborough, na outra ponta do país.

A estratégia de mover pessoas detidas para outros estados tem sido usada pela gestão do republicano, segundo as organizações de apoio a imigrantes ouvidas pela reportagem, para dificultar o apoio jurídico e humanitário oferecido por suas famílias e comunidades.

Presa há 28 dias, ela fez aniversário na terça-feira (10). Ainda não passou por uma audiência com um juiz de imigração, segundo o irmão. O governo tampouco deu detalhes sobre os motivos da detenção, e a família afirma que ela não estava em situação irregular.

“Quando ela reclamava, colocavam ela nua em um quarto chamado de calabouço, todo branco, de azulejo, com ar-condicionado muito forte, como uma espécie de castigo”, diz Ricardo.

Segundo ele, houve vezes em que a ligação telefônica era cortada. “Teve um dia que acabou a água [mineral]. Eles tiveram que tomar água da torneira uns dois, três dias”, diz.

Em nota enviada à Folha, o ICE confirma que Daniele está detida “enquanto aguarda o andamento do processo de deportação”. O órgão diz que “prioriza a saúde, a segurança e o bem-estar” de todos e que “em nenhum momento um estrangeiro detido é privado de cuidados médicos emergenciais”.

A assistência, segundo o órgão, inclui “triagens médicas, odontológicas e de saúde mental dentro de 12 horas após a chegada a cada centro de detenção, uma avaliação completa de saúde dentro de 14 dias após a entrada sob custódia do ICE […] e atendimento de emergência 24 horas por dia”.

Natural de São João Evangelista (MG), pequeno município na região de Governador Valadares, Daniele chegou aos Estados Unidos em 2021 com o filho, hoje com sete anos. Eles se entregaram às autoridades pedindo asilo para responder ao processo de imigração em liberdade, num esquema conhecido como “cai cai”.

Isso ocorre porque uma criança não pode permanecer sozinha durante os procedimentos de repatriação ao Brasil ou aceitação pelo governo americano. Segundo a família, a solicitação foi aceita, e ela recebeu a autorização para trabalhar nos EUA. A reportagem pediu acesso à documentação do asilo, mas recebeu a informação de que os papéis estavam com os advogados de Daniele. A posse da permissão de trabalho não é garantia contra deportação, caso a situação migratória esteja irregular.

O caso gerou revolta e mobilização da comunidade imigrante e de políticos brasileiros e americanos. A deputada federal Rosângela Reis (PL-MG) enviou um ofício ao Itamaraty pedindo que o governo buscasse mais informações sobre Daniele.

Nos EUA, a deputada estadual democrata de Massachusetts Priscila Sousa, que é brasileira e tem cidadania americana, se articulou com outros parlamentares, como a deputada federal Lori Trahan. A colega de partido enviou um questionamento ao ICE referente ao caso.

A articulação parece ter funcionado. “Hoje [quarta-feira, 11], pela primeira vez, ela foi tratada como um ser humano”, afirma o irmão, que recebeu atualizações por meio do ex-marido de Daniele. Segundo ele, um agente do ICE “a chamou pelo nome e disse que ela teria uma audiência e que iriam encaminhar um médico para ver a situação de saúde dela.”

A diretora-executiva da Brazilian Worker Center, Lenita Reason, que defende estrangeiros no país, diz que está em busca de um advogado que atue pro bono, isto é, de graça. “Direitos humanos estão sendo violados”, afirma. Reason conta que o clima entre os imigrantes é de pânico e há relatos de pessoas com medo de sair nas ruas.

A Brazilian Worker Center faz parte de um grupo de dez organizações de imigrantes brasileiros nos EUA que enviaram ao governo Lula uma carta na qual relatam uma “crise humanitária” e “onda crescente, intensa e violenta de prisões”.