SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Confidente mais próximo de John Lennon e Yoko Ono durante seus anos intensos em Nova York, o radialista Elliot Mintz demorou mais de 40 anos para contar o que viu e ouviu na intimidade do casal entre 1971 e 1980, quando Lennon foi assassinado às portas do edifício Dakota, onde morava.

“John, Yoko e Eu – Um Retrato Íntimo e Revelador do Casal Mais Célebre do Planeta” chega ao Brasil poucos meses após seu lançamento nos EUA. Baseado em uma década de convívio quase diário e numa memória prodigiosa, o livro revela detalhes da vida privada, de seu processo criativo e dos demônios pessoais do casal.

Mintz, que agenciou Bob Dylan e Paris Hilton, descreve Lennon como um homem de contradições: genial e inseguro, generoso e ciumento, espiritual e obcecado pelas aparências. “John se pesava todos os dias. Às vezes, duas vezes”, revela Mintz em entrevista à Folha.

“Eles tinham um closet no apartamento que era do tamanho de uma pequena butique, com calças organizadas por tamanho de cintura —28, 29, 30, 31— dependendo se estavam em uma de suas dietas macrobióticas rigorosas ou se tinham exagerado nas férias.”

O livro detalha como Lennon e Ono experimentaram dietas extremas, incluindo uma que exigia mastigar cada pedaço por 20 segundos até que se liquefizesse. “Eles guardavam coisas na geladeira que eu nem conseguia identificar”, lembra Mintz. “É irônico que duas pessoas em busca de uma consciência mais elevada estivessem tão preocupadas com a aparência física.”

Lennon perdia as estribeiras quando bebia. Devido a isso, Yoko proibira álcool na residência do casal, no edifício Dakota. Mas, depois de uma traição à vista de todos em uma festa de réveillon, Yoko o mandou passear —na verdade, passar uma temporada de quase dois anos em Los Angeles, uma época que ficou conhecida como “o fim de semana perdido” na biografia de Lennon.

Na costa oeste, Lennon bebia quase diariamente e Mintz chegou a ser chamado para acalmar o amigo por seguranças da mansão de um figurão de Hollywood, onde o músico estava hospedado. Lennon havia quebrado os móveis da sala e Mintz o encontrou amarrado em uma cadeira.

Já Yoko Ono tinha suas idiossincrasias relacionadas ao misticismo. “Ela não tomava nenhuma decisão — profissional, empresarial ou pessoal — sem consultar numerólogos, tarólogos e astrólogos”, diz Mintz. “Alguns estavam no Japão, outros em Nova York. Estavam na folha de pagamento dela.”

Mintz descreve como Ono adiava decisões importantes por dias, aguardando “orientações cósmicas”. “Eu propunha algo e ela dizia: ‘Deixe-me verificar e eu te conto’. Horas ou dias depois, a resposta podia ser um simples ‘não’, baseado em algum cálculo numerológico.”

Às vezes, ficavam quase uma semana a mais em uma cidade qualquer porque os números não recomendavam viagens naquele momento.

Mintz conheceu Ono quando ela lançou o disco “Fly”, em 1971. Encantado com o que ouvi, ele convidou a artista para dar uma entrevista por telefone de Nova York ao seu programa de rádio em Los Angeles.

No dia seguinte, ela ligou para agradecer. Dias depois, ligou às 4h da madrugada —horário de Los Angeles— para pedir que Mintz descobrisse o local e data de nascimento do vendedor de um imóvel de Los Angeles que ela estava interessada em adquirir —ela só faria o negócio se os astros fossem favoráveis.

Às 7h, ela ligou de novo, cobrando a informação. Mintz contratou um detetive —cujos honorários nunca cobrou de Yoko— e conseguiu os dados. Assim começou a amizade, à qual logo se juntou Lennon e obrigou Mintz a instalar em sua casa uma linha de telefone exclusiva para os dois.

O livro fala do relacionamento de Lennon com Bob Dylan, que Mintz representou por 10 anos. “Se eu mencionasse uma música de Dylan, como ‘Visions of Johanna’, John ficava irritado e dizia: ‘Qualquer um pode compor músicas assim. Ouça ‘I Am the Walrus’ ou ‘Strawberry Fields’.'”

“Sim, ele achava que escrevia letras melhores que Bob. Falamos sobre isso muitas vezes. Mas não era isso que o incomodava. O que realmente o perturbava era que as pessoas consideravam Bob como o grande poeta. E ele, como um Beatle feliz.”

“Eles só se encontraram em algumas poucas ocasiões”, diz Mintz. “John me disse que na maioria das vezes ele ficava meio paranoico na presença de Bob. Ele não sabia como Bob reagiria ou se Bob seria cínico com ele. Os dois sempre pareciam se sentir um pouco na defensiva. Não conseguiam relaxar um com o outro.”

A morte de Lennon em dezembro de 1980 fez com que Ono chamasse Mintz para organizar o inventário de seus bens pessoais, que começavam a sumir com o enorme entra e sai de gente nos dois apartamentos do sétimo andar e no escritório que ficava no térreo do Dakota.

Os diários do artista chegaram a sumir —e foram recuperados depois das mãos e de um ex-assistente de Lennon que já negociava a venda dos papeis.

Desse trabalho, porém, surgiu o que ficou conhecido como “The Lost Lennon Tapes”, ou as fitas perdidas de Lennon. Mintz encontrou e catalogou centenas de fitas com gravações, declamações, brincadeiras, cantorias e trechos de canções, inclusive inéditas, do ex-beatle.

O próprio Mintz as tocou durante quatro anos em seu programa de rádio e dali saiu uma das três canções posteriormente gravadas pelos beatles remanescentes, a primeira delas, “Free as a Bird”.

E por que esperar quase meio século para contar essas histórias? “Simplesmente nunca me ocorreu até que Sean Ono Lennon [filho de John e Yoko] me sugeriu que eu deveria escrevê-lo. Eu vivi uma vida bastante ocupada e ativa e nunca havia escrito antes. Então eu meio que adiei até que finalmente, sabe, ao completar 80 anos, pensei ou é agora ou nunca será feito. Não é uma tarefa fácil.”

JOHN, YOKO E EU

– Preço R$ 59,90 (224 págs.) e R$ 44,99 (ebook)

– Autoria Elliot Mintz

– Editora Sextante