SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando a professora de inglês Ana Clara Butcher, 26, criou seu perfil no aplicativo de relacionamentos Mutual, limitado a membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, a denominação dos mórmons, ela escreveu que buscava um melhor amigo, adorador do messias e com interesse em viagens.

“Queria um homem que fosse provedor, que me desse segurança, o que fala a Bíblia. E eu queria ser aquela que nutre, que cuida do lar, que apoia o marido e trabalha também, porque eu tenho a minha carreira, mas quero cumprir esse papel”, afirma.

Ela usou o aplicativo por três anos até que encontrou seu atual marido, o britânico Jonny Butcher, 28, em 2023. Eles namoraram por dez meses e atualmente moram no Reino Unido.

Os aplicativos de relacionamentos têm se tornado uma alternativa para cristãos que buscam uma união construída a partir de princípios bíblicos e semelhanças da fé. A interface e a dinâmica são muito parecidas com outros apps de paquera: uma foto com nome e idade é exibida e é preciso arrastar para a esquerda se desaprovar ou para a direita se há algum interesse.

É possível saber mais sobre a pessoa arrastando para cima. Se a curtida for mútua, uma conversa é iniciada.

O diferencial em relação a outras ferramentas são os filtros relacionados a religião. Eles podem limitar as denominações com que se quer ter contato, explicitar função dentro da igreja ou até elencar versículo favorito da Bíblia.

É o caso do aplicativo Achei, que dá a opção de os usuários colocarem um trecho que melhor define sua personalidade. “Se alguém gosta de missões e ações sociais, um versículo com esse foco de evangelismo vai fazer todo sentido”, afirma Leo Souza, CEO.

Outros aplicativos, como Éden, Salt e Gospel Love, vão nesse mesmo caminho. Na tela de início do Éden, aparece o versículo “não é bom que o homem esteja só”, encontrado no livro de Gênesis. Entre os filtros de interesse, “criar filhos” é uma das opções. Outro diferencial é poder escolher o ministério em que a pessoa atua na igreja, como o das crianças ou do louvor, e até qual cargo exerce, como o de pastor ou missionário.

Com filtros destinados aos interesses “ir à missa”, “rezar o terço”, “grupo de oração”, “ação social”, o aplicativo Caná que atrair principalmente o público católico, mas também é possível declarar outras religiões na plataforma.

Ele foi criado pelo casal de missionários Ricardo e Eliana Sá, que se colocam à disposição para dar apoio aos pares recém-formados. “Nós somos da geração do João Paulo 2º, que foi um papa que incentivou muito o uso da internet, que é a praça de antigamente”, diz Ricardo.

Eliana Sá diz acreditar que a ideia de que o homem deve tomar a iniciativa é algo transmitido culturalmente dentro da igreja, mas não reflete a sociedade atual.

“O príncipe encantado não vai cair do céu, você deve estar disposta a conhecer e a se relacionar com as pessoas. O aplicativo colabora muito com isso. É preciso flertar, conhecer, senão vai ficar solteira”, diz Eliana.

Para David Riker, pastor na Igreja Presbiteriana de Alphaville e pós-graduando em sexualidade humana, o interesse pelos aplicativos surge a partir de outra pressão dentro das igrejas: a de casar cedo. Ele explica que, nesse contexto, homens e mulheres solteiros com mais de 30 anos já são considerados em idade avançada nesse quesito.

No entanto, como em aplicativos voltados ao público em geral, o excesso de oferta pode causar o efeito oposto. Enquanto houver muitas possibilidades de encontrar a pessoa ideal, maior a insatisfação em estar com uma só pessoa, diz Riker. “Você está sempre achando que está perdendo e que pode achar algo melhor”, diz o pastor.

A roupagem do aplicativo, que remete a relações superficiais, também incomoda o pastor. O fato de conhecer pessoas online, não. “É um padrão absolutamente alienígena às escrituras sagradas, aos conceitos cristãos de valor, de importância, e o que realmente importa numa relação”, diz.

Para além disso, o fato de os aplicativos reunirem pessoas que, em tese, compartilham uma mesma visão de mundo não é garantia de experiências positivas.

“Eu queria alguém que realmente fosse compatível com o que eu quero para a minha vida”, afirma a influenciadora Mariana Moreira Aguiar, 36. Católica, ela diz querer uma companhia para ir à missa e constituir uma família. O principal problema que ela relata foi o de encontrar muitas pessoas fora de Fortaleza, onde mora. “E eu não achei o povo bonito.”

O estudante evangélico João Galacho, 24, que lidera o grupo de missões universitárias Pockets na USP (Universidade de São Paulo), também pondera o impacto da aparência no início de uma relação. “Num primeiro momento pode parecer algo agressivo para a fé cristã, que não olha somente para aparência das pessoas, mas quer julgar o caráter. Porém, a gente entende que para um casamento saudável, o mínimo que precisa existir é a atração física.”

A psicóloga Giulia Erhardt, pesquisadora de análise do comportamento, afirma que essa ansiedade em meio às probabilidades de pares expõe a contradição do uso dos aplicativos. “Ao mesmo tempo que você quer ser muito certeiro naquilo que você está procurando, você está sujeito a uma tentativa e erro.”

Usar um aplicativo, para ela, pula etapas que aconteceriam de forma mais orgânica em outros contextos sociais porque os usuários selecionam o que querem mostrar e ver, e isso pode ser prejudicial a longo prazo.