SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apesar de coletar dados detalhados sobre infecções hospitalares em todo o Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) se negou a informar o número de casos por hospital entre os anos de 2019 e 2024. A falta do dado impede a identificação de unidades de saúde com maior incidência de infecções, tanto na rede pública quanto na privada.

O dado foi solicitado à agência por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). Em resposta, a Anvisa afirma que não tem autorização para compartilhar nenhum tipo de “dado sensível de pacientes, profissionais ou nomes dos hospitais/serviços de saúde notificadores”, com base na Lei 12.527/2011.

No entanto, a lei citada não menciona a identificação de hospitais como informações passíveis de sigilo. Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmam que a LAI prevê que o sigilo deve ser a exceção, e não a regra, sendo necessário justificar de forma adequada a restrição de acesso a informações públicas.

Infecções hospitalares, ou infecções relacionadas à assistência à saúde (Iras), são aquelas adquiridas durante a internação ou atendimento médico, frequentemente associadas ao uso de dispositivos invasivos, como cateteres e sondas. Podem provocar mortes, além de aumentar os custos hospitalares.

Foram solicitados à Anvisa por meio da LAI dados de infecções hospitalares em todos os hospitais públicos e privados do Brasil nos anos de 2019 a 2024. O órgão informa que publica anualmente boletins com os resultados das notificações de infecções hospitalares, mas que, por questões de sigilo, os dados que identificam os hospitais notificantes não são divulgados.

A advogada especialista em direito da saúde Carla Simas diz que não existe base legal para manter em sigilo o nome de hospitais -públicos ou privados- que prestam serviço essencial à população.

“A LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados] protege dados pessoais de pessoas físicas, não dados de pessoas jurídicas. Portanto, o nome de um hospital não está sob proteção da LGPD, e não há qualquer previsão legal que autorize a ocultação desses dados com base em privacidade institucional”, afirma.

Segundo Simas, a LAI estabelece que a administração pública só pode restringir o acesso à informação quando houver risco real à segurança da sociedade ou do Estado –o que não foi alegado ou demonstrado pela Anvisa quando se recusou a repassar os dados de infecções por unidade de saúde.

A Lei nº 9.431/1997 obriga os hospitais de todo o país a manter programas para controlar as infecções hospitalares. E a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) nº 36/2013 da Anvisa exige que as infecções hospitalares sejam notificadas regularmente, o que significa que a agência tem esses dados.

“Manter o número de infecções hospitalares em sigilo por hospital vai contra os princípios constitucionais da eficiência, publicidade e moralidade da administração pública (art. 37 da Constituição Federal)”, diz a advogada.

“O fornecimento apenas de dados agregados em boletins anuais, sem permitir a identificação das instituições notificantes, prejudica a transparência, dificulta a responsabilização de práticas negligentes e inviabiliza o exercício do controle social, que é um dos pilares do Sistema Único de Saúde (SUS)”, conclui.

Para Henderson Furst, o sigilo da informação não é proveitoso às instituições, porque impede que sejam tomadas providências para aumentar de forma preventiva a segurança do paciente.

“Se uma instituição vem aumentando o número de infecções hospitalares ou outros eventos adversos que devem ser notificados e esses dados são divulgados, você terá um CRM (Conselho Regional de Medicina) atuando, além dos conselhos regionais de Enfermagem e Farmácia e, sobretudo, das entidades acadêmicas e científicas, que também intervirão para ajudar a melhorar os índices da instituição”, diz.

O advogado acredita que o motivo principal da Anvisa não divulgar o nome das instituições seja por receio de que isso gere mais subnotificação sobre o número de infecções hospitalares.

“Um hospital só notifica à Anvisa porque existe uma exigência, mas há o receio de ser exposto. Se essa informação fosse pública, a instituição poderia deixar de notificar para não correr o risco de prejudicar sua imagem. No entanto, há um interesse público em acessar esses dados.”