SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A proposta de cobrança de Imposto de Renda de 5% sobre títulos atualmente isentos, como LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), LCAs (Letras de Crédito Agrícola), CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) acendeu o alerta em setores que dependem dessas fontes de financiamento, como construção civil, agronegócio e infraestrutura.

No setor imobiliário, a preocupação é com o impacto direto sobre o financiamento habitacional. Com a poupança esgotada como fonte para o setor, as LCIs passaram a liderar o crédito para moradia -e somam R$ 427 bilhões em estoque. A nova alíquota pode aumentar em 0,7% o custo do crédito atrelado ao SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), segundo a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias).

Para a entidade, a medida “representa um retrocesso para o setor imobiliário e tende a elevar ainda mais o custo do crédito em um momento em que as taxas de financiamento já se encontram em patamar elevado, impactadas pelo atual nível da taxa Selic”.

A Abecip (Associação das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) afirma que alterações que aumentem o custo das LCIs, como o fim da isenção de IR, resultam na elevação do custo da moradia e podem comprometer o acesso à casa própria.

“O fortalecimento do mercado imobiliário passa necessariamente por uma estrutura de funding estável, previsível e com condições atrativas, e a LCI tem cumprido com eficácia esse papel. Assim, qualquer mudança em sua estrutura de incentivos precisa considerar cuidadosamente seus impactos sobre o financiamento imobiliário e, por consequência, sobre a dinâmica de um setor que é chave para o desenvolvimento econômico e social do país”, afirma a associação, em nota.

Nos últimos quatro anos, o custo do financiamento habitacional via SBPE teve um aumento de 5 pontos percentuais, o que resultou em um acréscimo de aproximadamente 45% no valor das parcelas. “Essa nova taxação dificulta ainda mais o acesso à casa própria”, diz Pedro Ros, da Referência Capital -consultoria financeira que atua especialmente em crédito e investimentos imobiliários.

Além dos consumidores, as pequenas e médias incorporadoras também devem sentir os efeitos do fim da isenção. João Kepler, CEO da Equity Group, afirma que as empresas devem estar preparadas para um ambiente de crédito mais caro e exigente, revisando suas estratégias de captação para não comprometer a expansão e a saúde financeira.

A construção civil, que gerou 182 mil vagas com carteira em 2025 (o equivalente a 13,2% do total de vagas formais criadas no país no período), teme uma retração no volume de obras, o que impactaria emprego e PIB.

Em nota, a Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) afirma que os empresários do setor reconhecem a importância de buscar o equilíbrio fiscal e reduzir a Selic, mas “enfrentar esse desafio apenas pela via da arrecadação -sem discutir a eficiência do gasto público e alternativas para reduzir despesas improdutivas– penaliza duplamente o setor: taxa a produção e taxa o investimento”.

Segundo a entidade, é preciso considerar o alto volume de imóveis já comercializados, que vai demandar um alto volume de financiamento às pessoas físicas na entrega das chaves ao longo dos próximos anos.

A Cbic cobra do governo federal uma reforma administrativa que ataque de frente “a eficiência do gasto público”.

No agronegócio, a tributação das LCAs, de demais títulos privados e do Fiagro foi recebida com preocupação por afetar diretamente o crédito privado para a próxima safra. Segundo especialistas do setor, a medida pode reduzir a atratividade desses papéis entre investidores e, com isso, diminuir a oferta de recursos disponíveis –especialmente para pequenos e médios produtores rurais, que dependem das emissões estruturadas por instituições financeiras.

Para eles, o encarecimento e a menor previsibilidade no custo do capital tendem a atrasar ou inviabilizar investimentos essenciais em armazenagem, irrigação e compra antecipada de insumos.

A Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) afirma que, se confirmada, a medida pode comprometer a competitividade, a previsibilidade e a segurança financeira dos produtores rurais e das cadeias produtivas como um todo, refletindo na inflação e no aumento do preço dos alimentos.

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) afirma que as LCAs são uma das principais fontes de recursos ao Plano Safra e que a proposta anunciada pelo ministro Fernando Haddad tende a desestimular os investidores, impactando diretamente a disponibilidade de funding para o crédito rural.

Newsletter Folha Mercado Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes. *** A advogada Charlene de Ávila diz que há um risco concreto de retração na oferta de crédito privado. “As LCAs representam quase metade do crédito privado destinado ao agro, qualquer desestímulo nesse mercado compromete diretamente o fluxo de recursos para o setor”, afirma a especialista em propriedade intelectual na agricultura de Neri Perin Advogados Associados.

Representantes do setor consideram a medida contraditória com o discurso oficial de apoio ao agro e ao financiamento verde. Segundo eles, o ideal seria priorizar o controle de gastos públicos e a revisão de despesas obrigatórias, em vez de taxar instrumentos que viabilizam a produção sustentável. A crítica central é de que a taxação compromete um setor responsável por quase metade do superávit comercial do país e gera insegurança em um momento de juros ainda altos e preços das commodities em queda.

“Penalizar justamente um dos instrumentos que viabilizam o financiamento privado da produção sustentável transmite ao setor uma sinalização negativa. O agro, que responde por quase metade do superávit comercial do Brasil, esperava medidas de estímulo –não de desincentivo– em um momento de queda nos preços das commodities e juros ainda elevados”, afirma o advogado agrarista, Néri Perin.

Felipe Vasconcellos, da Equus Capital, diz que a medida encarece o crédito e pode inviabilizar projetos em infraestrutura e tecnologia rural. “Enquanto a Europa subsidia o campo, o Brasil taxa insumos e crédito”, diz.

Além de LCI, LCA, CRI e CRA, as debêntures de infraestrutura também podem ver sua tributação subir de zero para 5%. O governo diz que os papéis seguem com incentivo, já que pagam menos que ativos convencionais, mas há críticas sobre a falta de medidas do lado dos gastos.

Venilton Tadini, presidente-executivo da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), diz ser “sem sentido” retirar a isenção de debêntures. A medida, afirma, afetaria o custo de captação para investimento em infraestrutura e, consequentemente, do serviço.

“Eu vejo que aplicar sobre a LCI e LCA você está possibilitando uma maior isonomia do ponto de vista das aplicações no mercado de capitais. Agora, a infraestrutura é onde você tem o maior leque de investimentos para ser realizados e que efetivamente você vai afetar”, diz Tadini.

Apesar de considerar a medida como um “esforço do governo em buscar alternativas de arrecadação sem recorrer a medidas mais pesadas como o aumento do IOF”, o economista-chefe da Warren e especialista em contas públicas Felipe Salto estima que o fim da isenção de IR pode render em torno de R$ 3 bilhões de arrecadação.

“Faz sentido equipar a tributação minimamente, mesmo desses instrumentos que são voltados a investimentos para que você continue tendo uma diferenciação, mas arrecade alguma coisa desses setores. Então nesse aspecto acho bom. Agora, o que acho ruim é não ter vindo uma lista também de medidas do lado da despesa como tinha sido prometido”, afirma.