SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Policiais militares envolvidos nas mortes de um estudante de medicina, de uma criança e de um aposentado foram liberados pela Corregedoria da Polícia Militar para retomarem as atividades nas ruas de São Paulo, ou seja, no patrulhamento e abordagens.
Já PMs que participaram de ocorrências com agressões seguem afastados, caso do soldado filmado lançando um homem de uma ponte na zona sul da capital.
Os dados sobre o andamento dos procedimentos foram fornecidos pela Polícia Militar após pedido via Lei de Acesso à Informação.
Entre os agentes que retomaram as funções estão os soldados Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado. Macedo atirou no estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22. O jovem foi atingido em um hotel na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, em 20 de novembro. O homicídio foi gravado pela câmera corporal dos agentes.
A Polícia Civil e o Ministério Público pediram a prisão de Macedo, o que foi negado pela Justiça. O processo aguarda uma decisão da segunda instância.
O Inquérito Policial Militar foi concluído e remetido para o Tribunal de Justiça Militar. A conclusão da apuração interna foi a de que houve homicídio. Há ainda um procedimento administrativo para apurar possíveis transgressões de conduta dos envolvidos.
“A volta deles ao trabalho é a inegável cumplicidade da alta cúpula militar e do estado de São Paulo, que é conivente com o crime contra meu filho”, diz a médica Silvia Mónica Cárdenas Prado, 55, mãe do jovem.
Um outro caso até agora sem punição foi a morte do menino Ryan da Silva Andrade Santos, 4, baleado durante uma ação da PM no dia 5 de novembro na cidade de Santos, no litoral paulista. A criança brincava em uma rua quando foi baleada. A mesma ação terminou com um adolescente de 17 anos morto pela PM.
Segundo a versão oficial do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Polícia Militar fazia uma operação em uma comunidade e teria ocorrido um confronto com criminosos, momento em que Ryan foi baleado. Meses antes, o pai do menino havia sido morto em suposto confronto com policiais militares na Operação Verão, uma das mais letais com envolvimento da corporação.
Assim como no caso do estudante, a gestão Tarcísio afirmou que, na época, os policiais foram afastados. Seis meses depois, eles retomaram as atividades, conforme a corregedoria.
“Eu tenho tanta coisa para falar, tamanha revolta eu estou sentindo. Mas eu quero falar sobre a demora para conclusão do inquérito. O delegado pedir tempo a mais para o juiz e ser concedido. Não é filho deles, né? Enquanto isso vivemos com a angústia, a dor. Nada mais é a mesma coisa”, diz a merendeira Beatriz da Silva Rosa, 30, mãe de Ryan.
O aposentando Clovis Marcondes de Souza, 70, caminhava por uma rua do Tatuapé, na zona leste da capital, na tarde de 7 de abril, quando foi atingido por uma bala perdida, assim como Ryan, disparada por uma arma de um policial.
O sargento Roberto Marcio de Oliveira alegou disparo acidental. Ele chegou a ficar preso e foi solto menos de dois meses após a morte. “A Instituição acompanha o deslinde do processo-crime, a fim de adotar as medidas administrativas disciplinares eventualmente cabíveis. O policial não está afastado do serviço operacional”, diz a Polícia Militar.
De acordo com a advogada Gabriella Silvestre, que defende a família do aposentado, a investigação ainda não foi concluída pela Polícia Civil.
Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) confirmou a liberação dos PMs envolvidos nos três casos. “Atualmente, os policiais seguem desempenhando atividades administrativas em suas respectivas unidades. Embora não possuam restrição operacional determinada pela Corregedoria, permanecem em funções internas por decisão dos respectivos comandantes de batalhão.”
Em outro trecho, a pasta disse que “a Polícia Militar reforça seu compromisso com a transparência e a responsabilidade na condução de seus procedimentos internos, assegurando o cumprimento das normas e a preservação da confiança da sociedade”.
As mortes foram acompanhadas pelo então ouvidor da polícia Claudinho Silva. Ele deixou o cargo no final de 2024 após não ser reconduzido pelo governador. Ele criticou a liberação dos policiais para atuarem na rua.
“Essas medidas revelam realmente qual é a lógica empregada pelo governador Tarcísio de Freitas e seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, que sempre foi premiar policiais que matam, sobretudo que matam inocentes. Isso demonstra que o que se opera em São Paulo não é nenhum enfrentamento ao crime organizado ou a criminosos, que isso são apenas falácias”.
Tarcísio e Derrite foram procurados por meio de suas assessorias, mas não responderam.
Mauro Caseri, atual ouvidor disse ser preciso saber com que nível de requalificação os agentes voltam ao trabalho operacional. “A sociedade não pode mais pagar com vidas inocentes o preço da imperícia e desobediência aos padrões profissionais”.
PMS ENVOLVIDOS EM AGRESSÕES SEGUEM AFASTADOS
Filmado jogando um homem de uma ponte em Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, o soldado Luan Felipe Alves Pereira foi o único preso entre os outros 11 agentes que tiveram algum envolvimento no episódio. Ele foi solto em abril.
Seu crime foi considerado grave, e ele segue afastado das atividades operacionais.
De acordo com a Corregedoria da PM, sete policiais respondem a um procedimento que pode resultar em expulsão. “Os policiais militares envolvidos na ocorrência permanecem afastados do serviço operacional”, diz o órgão, sem precisar o número de agentes.
Em dezembro, a empresária Lenilda Messias teve um ferimento no rosto durante uma confusão entre seus familiares e policiais militares, em Barueri, na Grande São Paulo.
À época 12 policiais foram afastados. Em janeiro eles já haviam retornado para o trabalho. Um tenente, que responde a um processo disciplinar, segue fora do serviço nas ruas.
Outro caso que terminou com agente afastado ocorreu em outubro, quando policiais militares invadiram uma sala de velório em Bauru, a cerca de 330 km de São Paulo. Um dia antes, os dois jovens que estavam sendo velados foram supostamente mortos em confrontos com policiais.
Quatro agentes seguem afastados das ruas. Três deles estavam envolvidos na morte, e um está afastado pelo ocorrido no velório.