SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O financiamento imobiliário é uma das principais portas de entrada para quem deseja sair do aluguel e conquistar a casa própria, mas a escalada da taxa básica de juros tem dificultado o acesso a esse tipo de crédito. A Selic atual é de 14,75% ao ano e, apesar de sinalizações de uma possível pausa, o mercado ainda não descarta uma nova alta neste mês.
“Quando a Selic está alta [acima de 13% ao ano], os financiamentos ficam mais caros, e pode ser melhor esperar e investir o dinheiro em aplicações financeiras. Já quando a Selic está em queda ou abaixo de 8% ao ano, o financiamento se torna mais vantajoso. Portanto, para quem pode esperar, o ideal é aguardar ciclos de juros mais baixos para financiar com menores custos totais”, afirma Reinaldo Domingos, presidente da Abefin (Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira).
Antes de assumir essa dívida, que tem impacto no orçamento familiar por décadas, o comprador precisa avaliar quanto pode pagar por mês, qual valor consegue financiar e se sua renda é suficiente para obter aprovação junto à instituição financeira.
“O mais importante é avaliar se aquela prestação cabe de forma sustentável no orçamento, não apenas agora, mas pelos próximos dez, 20 ou 30 anos. De nada adianta pegar um financiamento com juros baixos se a parcela comprometer um valor tão alto que a pessoa não consiga viver com o que sobra”, diz Domingos.
Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário, diz que o primeiro passo é compreender que se trata de um compromisso de longo prazo. Segundo ele, além de se planejar para pagar as parcelas, é fundamental manter uma reserva financeira para lidar com imprevistos.
Em alguns casos, segundo o especialista, pode ser mais vantajoso continuar no aluguel por um tempo, mesmo que isso signifique morar em um imóvel menor ou mais simples. Essa escolha pode permitir a formação de uma poupança maior para aumentar o valor da entrada que será dada no futuro e reduzir o custo total do financiamento.
Na maioria dos financiamentos, o próprio imóvel é a garantia da operação. Na operação com alienação fiduciária, a propriedade fica em nome do banco até que a dívida do financiamento seja quitada. Caso não seja paga, o banco assume definitivamente a propriedade do bem.
“O grande problema é que, depois de assumir o financiamento, muitos não entendem que, ao atrasar as parcelas por um período contínuo -o que vai depender do que está previsto em contrato-, o comprador perderá a propriedade”, alerta o advogado.
Ao contratar o financiamento, o consumidor precisa escolher o sistema de amortização, o que impacta no valor das parcelas. As opções são a Tabela Price, na qual as prestações permanecem fixas ao longo do tempo, e o SAC (Sistema de Amortização Constante), em que as parcelas iniciais são mais altas e vão diminuindo gradativamente.
Reinaldo Domingos destaca que a escolha entre esses modelos deve ser feita com base no perfil do comprador.
Além disso, o consumidor deve definir o índice de correção que será aplicado ao longo dos anos. É necessário passar por uma análise bancária, que avalia aspectos como o histórico de crédito, a renda mensal e a estabilidade financeira do interessado.
“Idealmente, a parcela do financiamento deve ocupar no máximo de 10% a 15% da renda líquida mensal, justamente para deixar espaço para outros gastos essenciais”, diz Domingos.
A idade do comprador também é um fator relevante na hora de contratar o financiamento, já que, quanto mais velho for, maiores tendem a ser os juros e a exigência de comprovação de renda. Isso ocorre porque os bancos entendem que o risco do financiamento aumenta com a idade.
QUAIS SÃO OS TIPOS DE FINANCIAMENTO?
No Brasil, existem dois tipos principais de financiamento imobiliário: o SFH (Sistema Financeiro de Habitação) e o SFI (Sistema de Financiamento Imobiliário).
SFH (SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO)
O SFH é voltado para imóveis com avaliação de até R$ 1,5 milhão. Nele, a taxa de juros não pode ultrapassar 12% ao ano, acrescida da TR (Taxa Referencial). O crédito é majoritariamente fornecido pelos recursos da caderneta de poupança e do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Se o comprador for adquirir seu primeiro imóvel, pode usar o saldo do FGTS como parte do pagamento. O prazo máximo para o parcelamento é de 35 anos, e as parcelas não podem exceder 30% de sua renda mensal.
SFI (SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO)
O SFI (Sistema de Financiamento Imobiliário) é destinado a imóveis que custam acima de R$ 1,5 milhão. Nesse modelo, não há limitações de renda nem de valor financiado, pois o sistema é gerido por recursos privados, o que permite uma negociação livre entre clientes e instituições financeiras.
Desde agosto de 2021, o saldo do FGTS pode ser utilizado para quitar ou amortizar parcelas desse tipo de financiamento, desde que o imóvel seja a residência do comprador e esteja dentro do limite estabelecido para o SFH, de até R$ 1,5 milhão.
E O MINHA CASA, MINHA VIDA?
O governo ampliou o limite de renda das famílias que podem participar do Minha Casa, Minha Vida para até R$ 12 mil. O valor máximo de avaliação dos imóveis passou para de R$ 350 mil para R$ 500 mil, com prazo de pagamento de até 35 anos. A taxa de juros para essa faixa, voltada para a classe média, será de 10% ao ano, abaixo das taxas de mercado, que giram em torno de 12%, mas superior às das faixas de menor renda, que variam de 4% a 8,16%.
POSSO FINANCIAR COM A CONSTRUTORA?
Sim, é possível financiar diretamente com a construtora, especialmente se o imóvel for um lançamento ou uma unidade na planta. Nesse caso, a entrada pode ser parcelada. O consumidor paga as prestações diretamente à construtora ou incorporadora durante o período de obras -que leva, em média, três anos. Depois, após a entrega do empreendimento, financia o saldo restante com um banco.
COMO ESCOLHER O SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO (SAC OU TABELA PRICE)?
O sistema de amortização é o método utilizado para calcular como a dívida será paga ao longo do tempo. Ele define a forma como cada parcela será composta, ou seja, quanto será destinado ao pagamento dos juros e quanto será usado para diminuir o saldo devedor.
SAC (SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE)
Domingos explica que, no SAC, a parte da parcela que corresponde à amortização –ou seja, ao pagamento efetivo da dívida– é sempre a mesma durante todo o financiamento. Já os juros diminuem ao longo do tempo, pois são calculados sobre um saldo devedor que vai sendo reduzido mês a mês.
Entre as principais vantagens desse sistema estão: o pagamento de menos juros no total, a possibilidade de antecipar parcelas ou quitar o financiamento com mais facilidade e o menor impacto financeiro.
O SAC é indicado para quem tem maior poder de pagamento no início do contrato e deseja reduzir o custo total do imóvel. Além disso, como o saldo devedor cai mais rapidamente, o comprador tem uma sensação mais concreta de progresso no pagamento.
TABELA PRICE
Nesse modelo, o valor pago pelas parcelas continua igual do início ao fim do financiamento. No entanto, a composição da parcela muda ao longo do tempo: no começo, a maior parte corresponde aos juros e uma menor parte à amortização da dívida. Com o passar dos anos, a parcela continua com o mesmo valor, mas os juros diminuem e a amortização aumenta.
Entre os principais benefícios desse sistema está a previsibilidade –saber exatamente quanto vai pagar todos os meses facilita o planejamento financeiro. Além disso, as parcelas iniciais tendem a ser mais acessíveis, já que os juros são diluídos, permitindo começar com um valor menor do que no SAC.
Para ilustrar na prática como cada sistema funciona, Pedro Ros, CEO da Referência Capital, realizou uma simulação com base em um financiamento de R$ 500 mil em 360 meses. Os gráficos a seguir comparam a evolução das parcelas e dos juros pagos ao longo do tempo em cada modelo:
QUAIS SÃO OS ERROS MAIS COMUNS?
Segundo Domingos, os erros mais comum de quem financia um imóvel incluem:
Olhar apenas para o valor da parcela, sem considerar os custos adicionais do imóvel e da nova rotina
Não ter planejamento financeiro de longo prazo, assumindo compromissos maiores do que o orçamento permite
Usar todo o FGTS ou todas as reservas para a entrada, ficando sem margem de segurança para emergências
Assumir prazos muito longos sem pensar na flexibilidade, como a possibilidade de antecipar parcelas ou quitar a dívida
COMO COMPARAR PROPOSTAS DE DIFERENTES BANCOS?
O consumidor deve realizar simulações utilizando os mesmos parâmetros, como valor do imóvel, valor da entrada, prazo de pagamento e tipo de tabela de amortização. Com diferentes simulações baseadas nesses critérios, é possível tomar uma decisão financeira mais vantajosa e adequada ao próprio orçamento.
O QUE OBSERVAR DURANTE A COMPRA?
Os especialistas destacam que é comum que as pessoas olhem apenas a taxa de juros, que representa apenas um dos elementos financeiros do financiamento. Marcelo Tapai diz que o CET (Custo Efetivo Total) é, na verdade, o aspecto mais importante a ser considerado.
“Não adianta o banco anunciar uma taxa nominal baixa se os outros custos envolvidos na operação forem muito elevados”, afirma.
Reinaldo Domingos indica que também é necessário observar fatores como como custos extras do financiamento (seguros obrigatórios, taxas administrativas), prazo do financiamento e o impacto dele no valor final e o comprometimento de longo prazo (especialmente se a pessoa depende de renda variável ou instável).
Pedro Ros, da Referêcia Capital, simulou o CET em cada modelo de amortização:
Composição do CET (Custo Efetivo Total) no sistema SAC
*Valores considerados para um imóvel de R$ 500 mil financiado em 360 meses
1) Porcentagem
Juros: 61,9% Amortização: 34,8% Reajuste: 2% Seguro: 1% Custo de Emissão: 0,3% 2) Valores
Juros: R$ 890.188,14 Amortização: R$ 500 mil Reajuste: R$ 28.203,76 Seguro: R$ 15 mil Custo de Emissão: R$ 5.000 Composição do CET (Custo Efetivo Total) no sistema Tabela Price
*Valores considerados para um imóvel de R$ 500 mil financiado em 360 meses
1) Porcentagem
Juros: 70,5% Amortização: 26,5% Reajuste: 2% Seguro: 0,8% Custo de Emissão: 0,3% 2) Valores
Juros: R$ 1.328.852,08 Amortização: R$ 500 mil Reajuste: R$ 36.977,704 Seguro: R$ 15 mil Custo de Emissão: R$ 5.000