BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Diante de uma agenda conturbada e da falta de consenso com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Banco Central decidiu postergar o envio de sugestões para o relatório final da PEC (proposta de emenda à Constituição) que dá autonomia financeira e orçamentária à autoridade monetária.
O relator da PEC, senador Plínio Valério (PSDB-AM), tinha a expectativa de receber a proposta do BC até dez dias depois de uma reunião ocorrida em 20 de maio. Mas o texto nunca chegou e, nos bastidores, há a avaliação de que o momento ficou desfavorável após a crise do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
O imbróglio sobre a elevação do tributo dominou a agenda de membros do Ministério da Fazenda e do Congresso Nacional nas últimas semanas e atrapalhou o andamento das conversas sobre outros assuntos. O tema da PEC, que já não era tido como urgente fora do BC, ficou ainda mais distante na fila de prioridades das autoridades.
Membros do governo avaliam que seria importante o presidente do BC, Gabriel Galípolo, conversar com Lula sobre a PEC antes de dar seguimento à questão. A tarefa esbarra na indisponibilidade de agenda do chefe do Executivo, que está na França em viagem oficial até esta segunda (9) e lidera a cúpula Brasil-Caribe no próximo dia 13.
Apesar de a resistência do Executivo ao tema ter diminuído desde que Galípolo assumiu o posto de Roberto Campos Neto, o governo considera que algumas questões da PEC ainda precisam ser equacionadas -entre elas, a definição do regime de trabalho dos servidores do BC.
O texto da PEC estabelece que os funcionários do BC deixariam de ser regidos pelas normas do RJU (Regime Jurídico Único) e passariam a ser empregados públicos regulamentados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Durante a tramitação, foram incorporados ao texto elementos para preservar a estabilidade dos funcionários da autoridade monetária e também criadas regras provisórias para aposentadoria, buscando mitigar os impactos negativos gerados pela mudança de regime previdenciário.
De acordo com um interlocutor do governo, não é razoável que os funcionários se tornem celetistas, sem teto de salário, e mantenham o direito à estabilidade garantida a servidores estatutários.
A medida é o ponto central do conflito interno entre os servidores do BC. A ala representada pelo Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central) rejeita a proposta em discussão. Já o grupo encabeçado pela ANBCB (Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil) vê a PEC como uma saída para fortalecer a instituição.
Na última segunda (2), em evento em São Paulo, Galípolo disse não se sentir com autoridade para impor um dos caminhos e sinalizou que esse debate ficará nas mãos do Congresso, sem interferência da cúpula do BC.
“Não prestei concurso [público], estou de passagem. […] Fracassei em conseguir produzir um consenso dentro do Banco Central sobre qual dos dois caminhos [deveria ser seguido], e tem um racha ali com divisões, muitas vezes, por causa desse tema específico”, disse.
O presidente do BC ressaltou que tem dialogado com ministros e senadores sobre a PEC, mas também tem visitado as regionais para conversar com os servidores. Nesta sexta (6), Galípolo esteve em Salvador para “despachos internos”.
No fim de maio, Galípolo recebeu os líderes do Senado para um café da manhã no BC, em Brasília. Participaram do encontro os senadores Carlos Viana (Podemos-MG), Efraim Filho (União-PB), Eliziane Gama (PSD-MA) e Weverton Rocha (PDT-MA), além do relator da PEC. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), não pôde comparecer.
Na ocasião, Plínio disse que a reunião serviu para colocar todos os parlamentares a par da discussão e preparar o terreno para o avanço da proposta. Segundo ele, o presidente da CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), senador Otto Alencar (PSD-BA), se comprometeu a colocar a PEC em pauta logo que relatório final fique pronto.
O encontro com os líderes ocorreu uma semana depois de Galípolo ter conversado com Plínio, Otto e Vanderlan Cardoso (PSD-GO), autor da PEC, sobre os ajustes no texto.
Além da questão dos servidores, outro impasse foi criado em torno da tentativa de se colocar o Senado como o responsável por autorizar o BC a executar despesas de pessoal acima de determinado limite, quando necessário. Para a autoridade monetária, essa competência deveria ser do CMN (Conselho Monetário Nacional) -colegiado formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente da autarquia.
Para o presidente do Sinal, Epitácio Ribeiro, a PEC “rompe com princípios constitucionais e é uma ameaça ao papel do BC como ente de Estado”.
O sindicato diz reconhecer a necessidade de modernização da instituição e de recomposição do quadro funcional, mas defende que as medidas sejam viabilizadas preservando o vínculo da autarquia com a administração pública federal.
“O que nos preocupa é a tentativa de se alterar o texto constitucional de forma açodada, sem a promoção de amplo debate com a sociedade e com os próprios servidores”, afirma.
A presidente da ANBCB, Vivian Rosadas, diz ver com grande preocupação a postergação da aprovação da PEC e alerta para o risco operacional crescente no BC. Segundo ela, há riscos significativos na área de supervisão, que conta com um quadro mais enxuto e envelhecido, e impacto direto na agenda de inovação da autoridade monetária.
Segundo dados de abril, o BC conta com 3.166 servidores em atividade -menos da metade do total dos 6.470 cargos previstos em lei para a autarquia. O quadro é composto por 2.611 auditores, 401 técnicos e 154 procuradores.
“Adiar a votação para o segundo semestre pode inviabilizar definitivamente a aprovação da medida, dado o calendário parlamentar e eleitoral que se aproxima”, diz.
Nas próximas semanas, as festividades juninas por todo o país tendem a esvaziar o Congresso Nacional. Pelo lado do BC, o foco se volta à reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) nos dias 17 e 18 de junho.