BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A proposta de criação de uma agência nacional antimáfia tem gerado um mal-estar dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Lula (PT), apesar de a proposta ter sido apresentada publicamente por um integrante da pasta comandada por Ricardo Lewandowski.
Essa agência teria como objetivo coordenar o combate ao crime organizado, de acordo com o que foi dito pelo assessor especial da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) do ministério, João Paulo Martinelli, durante o 2º Seminário Internacional de Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, realizado em São Paulo no fim de maio.
A antecipação da proposta por parte do assessor da Senasp causou desconforto entre integrantes da pasta, segundo relatos colhidos pela reportagem. Isso porque o projeto não teria passado pelo ministro e esse conteúdo não deveria ter sido divulgado.
Membros da cúpula da pasta disseram que essa não seria uma proposta encampada pelo ministério.
A Senasp, comandada por Mario Sarrubbo, é responsável pela elaboração de um projeto que tem sido chamado por autoridades e especialistas de Lei Antimáfia –essa nova agência seria prevista neste texto, de acordo com o que foi apresentado no seminário.
Questionado sobre eventuais resistências à proposta, o Ministério da Justiça afirmou à reportagem que o texto do projeto de lei não está fechado e “segue em discussão nas áreas técnicas”.
Entre os principais objetivos do projeto da Lei Antimáfia está o aumento de pena para lideranças de grandes facções, como PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho, e dar um tratamento mais eficiente ao dinheiro e ao patrimônio apreendido com membros de organizações criminosas.
Durante o evento, Martinelli disse que a criação dessa agência poderia “mitigar a falta de integração” entre polícias e outras instituições que integram o sistema nacional de inteligência. O assessor da Senasp também afirmou que uma minuta do texto já estaria no gabinete do ministro, o que não é confirmado por membros da pasta.
A Folha procurou Martinelli e Sarrubo mas não obteve resposta.
Além de não ter passado pelo ministro, a proposta com a previsão dessa agência também não fora compartilhada com um grupo de trabalho responsável por auxiliar na formulação dessas medidas de enfrentamento ao crime organizado.
Esse grupo é composto por advogados, membros do Judiciário, forças policiais e representantes do governo. Entre ele, há divergências no apoio à ideia da agência.
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e integrante do grupo de trabalho, manifestou-se reticente à ideia.
“Como vai se dar a relação desse órgão com as polícias?”, questiona. “As agências retiram a capacidade do dirigente eleito de regular a política pública. Muitas vezes, as pautas acabam sendo capturadas pela lógica corporativista”.
Por outro lado, o promotor Lincoln Gakyia, do Ministério Público de São Paulo, mostrou-se favorável à ideia e diz que, sem a agência, não haveria “sentido algum” no projeto antimáfia.
“Vivemos no Brasil uma disputa institucional de polícias, de ministérios públicos, sobre quem pode investigar o quê”, disse Gakiya no mesmo evento em que a minuta foi apresentada. Atuante em investigações sobre o crime organizado, ele diz que a agência serviria, por exemplo, para coordenar eventuais duplicações de inquéritos e promover a cooperação.
A previsão é de que a Lei Antimáfia preveja alterações em uma série de legislações. A minuta do projeto sugere mudanças no Código Penal, Código de Processo Penal, Código Eleitoral, Lei dos Crimes Hediondos, Lei da Prisão Temporária, Lei de Execução Penal, Lei dos Crimes Ambientais, Lei da Lavagem de Dinheiro, Lei Anticorrupção.
O governo pretende, ainda, mudar a classificação de organização criminosa para alguns casos. A expressão usada será “organização criminosa qualificada” quando o grupo exerce domínio sobre um território, controlam atividades econômicas locais, influenciam eleições e fazem lavagem de dinheiro.
Outra proposta presente na minuta é a criação de um cadastro nacional de integrantes de organizações criminosas. Ainda não se sabe quais seriam os critérios para a inclusão de um nome nesse cadastro.
O projeto também contém propostas como a ampliação do rol de dados que a polícia e o Ministério Público podem acessar sem autorização judicial. O projeto pretende ampliar essa permissão para números de telefone e endereços eletrônicos.
Hoje a lei prevê que delegados, promotores e procuradores acessem o nome, números de RG e CPF, nomes dos pais e endereço de um investigado mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.
Além disso, quando houver perigo iminente à vida ou integridade física de pessoas, o projeto prevê que essas autoridades também possam requisitar dados de geolocalização e registro de conexão dos últimos sete dias diretamente aos provedores de internet, operadores de telefonia e empresas de tecnologia, sem necessidade de autorização judicial.
“Hoje temos um vazio normativo e isso gera muita insegurança tanto para os investigados quanto para as autoridades de investigação”, disse o advogado criminalista Pierpaolo Bottini, que integra o grupo de trabalho que debate o projeto. “É claro que qualquer acesso a dados, em especial dados pessoais, precisa vir mediante autorização judicial. Isso é sempre fundamental”.
Bottini disse ser favorável à criação de um órgão nacional para coordenar o combate ao crime organizado. Ele confirmou que o conteúdo debatido no seminário não foi enviado aos integrantes do grupo de trabalho, mas afirmou que a realização do evento foi “boa e oportuna”.