MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Uma das marcas do primeiro mês de Leão 14 foi a retomada de uma abordagem mais tradicional e contida da figura do papa, com o resgate de símbolos deixados de lado pelo antecessor, Francisco. Em suas falas, o novo sumo pontífice também indicou que insistir na paz é uma prioridade.
O americano Robert Prevost, 69, foi escolhido pelo conclave de cardeais no dia 8 de maio, e seu pontificado teve início formal dez dias depois. Da ordem dos agostinianos, estudou matemática e filosofia e é doutor em direito canônico. Foi missionário no Peru, de onde obteve cidadania. Nomeado cardeal por Francisco, ao ser eleito comandava o Dicastério para os Bispos, no Vaticano.
Logo após o “Habemus Papam”, veio a primeira mostra de que ele recolocaria o pontificado em trilha mais convencional: entrou na sacada da basílica de São Pedro vestido com a capa vermelha sobre os ombros, chamada de mozeta, e a estola papal, duas peças que remontam ao século 13 e que foram preteridas por Francisco, que, em 2013, usou apenas batina branca.
Desde então, Leão 14 cumpriu à risca a liturgia e não fez anúncios disruptivos. Em seu primeiro mês, Francisco decidiu que moraria na Casa Santa Marta, um edifício para hospedagem dentro do Vaticano, em vez de ocupar o apartamento dos papas no Palácio Apóstolico, virado para a praça São Pedro. Leão 14, que ainda vive no Palácio do Santo Ofício, não revelou onde pretende morar, mas reformas no Palácio Apostólico sugerem que será ali a sua futura casa.
“Ele começa a delinear aquilo que deverá ser seu papado. Uma tentativa de seguir os passos de Francisco, mas enquadrando-os em um modo mais próximo da doutrina tradicional”, diz o vaticanista Saverio Gaeta, autor do recém-publicado “Papa Leão 14: A história do novo papa e os desafios que deverá enfrentar” (ed. Salani, em italiano).
Para Gaeta, o passado pastoral de Francisco na Argentina fazia com que ele visse com certo desprezo alguns procedimentos enraizados na Cúria Romana, o braço administrativo do Vaticano. Com Leão 14, espera-se a centralidade do direito canônico e da doutrina católica, sem o que o especialista chama de “excessos da doutrina criativa” do antecessor.
São estilos pessoais diferentes também. Até agora, Leão 14 adotou um tom mais contido, evitando declarações improvisadas. “Ele não responde a perguntas de jornalistas quando, por exemplo, está saindo do carro. Francisco era mais predisposto a esse diálogo, correndo mais riscos”, diz Gaeta.
Foram poucas frases que levantaram polêmicas, e duas delas se referem à defesa da família, “fundada na união entre homem e mulher”, quando encontrou diplomatas no Vaticano, e do casamento como “cânone do amor verdadeiro entre homem e mulher”, na missa do Jubileu das Famílias e dos Idosos.
Para o vaticanista, o fato de o novo papa indicar a doutrina católica sem meios-termos não significa que, nas atividades junto aos fiéis, outras realidades não devam ser respeitadas por padres e outros religiosos. “Ele simplesmente propõe publicamente a doutrina católica da maneira como a Igreja sempre a propôs.”
Em seu primeiro mês, Leão 14 fez 20 discursos importantes, entre homilias em missas, audiências com fiéis, orações Regina Coeli (que substitui o dominical Angelus no período da Páscoa) e falas em cerimônias com cardeais, jornalistas, funcionários do Vaticano e diplomatas. Neles, o tema da paz foi citado de forma transversal, com 45 menções à palavra paz.
Apareceu na primeira fala aos fiéis, na mensagem Urbi et Orbi, logo após ter sido apresentado como papa, quando falou em “uma paz desarmada e desarmante”, e foi o núcleo do discurso ao corpo diplomático, quando esclareceu o seu conceito de paz.
A paz, disse o papa, não deve ser entendida como “mera ausência de guerra e conflito”, mas é um dom ativo de Cristo que compromete cada um. “Paz é a palavra-chave até agora porque há muitos significados e valores para essa fase que o mundo está vivendo”, analisa Gaeta.
Na sequência da missa que o oficializou como papa, o americano recebeu o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e o vice-presidente dos EUA, J. D. Vance. Na última semana, falou por telefone com o russo Vladimir Putin. Ainda não avançou, porém, a mediação do Vaticano oferecida pelo papa para as conversas sobre a Guerra da Ucrânia.
O primeiro mês do papa Leão 14
Primeira mensagem
Logo após eleito, em 8.mai, dirige-se aos fiéis da praça São Pedro com a mensagem Urbi et Orbi, na qual trata do tema da paz. “Uma paz desarmada e desarmante, humilde e perseverante”, diz
Primeira homilia
Na Capela Sistina, em 9.mai, defende a proclamação da fé. “Ainda hoje não faltam contextos em que a fé cristã é considerada uma coisa absurda, para pessoas fracas e pouco inteligentes; em vez dela, se preferem seguranças como a tecnologia, o dinheiro, o poder e o prazer”
Escolha do nome
Aos cardeais, em 10.mai, diz que o nome Leão 14 foi escolhido devido à encíclica de Leão 13 que abordou a questão social no contexto da primeira grande Revolução Industrial. Hoje, disse, a revolução promovida pela inteligência artificial traz novos desafios à dignidade humana
Primeira oração na praça São Pedro
Em 11.mai, ao recitar a Regina Coeli, que substitui o Angelus no período de Páscoa, ecoa Francisco ao citar conflitos na Ucrânia e em Gaza e faz um apelo: “Guerra nunca mais”
Homem e mulher
A diplomatas, em 16.mai, defende a família formada por homem e mulher. “É dever daqueles que têm responsabilidades no governo trabalhar pela construção de sociedades civis harmoniosas e pacíficas. Isso pode ser feito, em primeiro lugar, investindo na família, fundada na união estável entre um homem e uma mulher”
Igreja unida
Na missa que marcou o início de seu papado, em 18.mai, indicou que a busca de unidade dentro da Igreja será um dos eixos. “Gostaria que fosse esse o nosso primeiro grande desejo: uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado”
Mulher nomeada
Em sinal de continuidade de Francisco, nomeia, em 22.mai, a freira Tiziana Merletti para a secretaria do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada. O departamento da Cúria Romana já era comandado por outra mulher, a irmã Simona Brambilla
Bispo de Roma
Topa posse, em 25.mai, como bispo de Roma na basílica de São João de Latrão. Em sua homilia, exprime a intenção de “ouvir e aprender, entender e decidir em conjunto”
Jubileu das Famílias
Celebra a missa do encontro, em 1.jun, e defende o casamento como “cânone do amor verdadeiro entre o homem e a mulher: amor total, fiel, fecundo”