RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – Ainda faltam mais de duas semanas para o São João, mas em Pernambuco, assim como em todo o Nordeste, as ruas já estão enfeitadas de bandeirinhas, a trilha sonora dos dias é feita majoritariamente de forró e as comidas de milho são encontradas em cada esquina.
A virada do mês de junho marca também oficialmente a abertura da temporada das apresentações e concursos de quadrilhas. A energia dessa tradição começou a ecoar justamente no último domingo (1º) para o grupo Raio de Sol, do Recife. Atual campeã nordestina, a quadrilha estreou “Ô de dentro, ô de fora! Um Reisado a São João”, seu novo espetáculo.
Em cena, 120 bailarinos adultos e 40 crianças. Nos bastidores, 20 contrarregras e 10 produtores trabalhando desde cedo, que atuam de forma voluntária. Sem contar os cerca de 20 outros participantes, pagos, entre músicos que gravaram a trilha do espetáculo, costureiras, marceneiros, eletricistas e tantos outros profissionais que atuaram na construção do cenário e figurinos.
O custo de um vestido chega a R$ 1.200. Cada bailarino arca com R$ 1.000, parcelado ao longo dos meses de ensaios, e também fazem rifas para quitar o restante. A Raio de Sol recebe R$ 4.747 de subsídio mensal via governo estadual.
Colocar uma quadrilha na rua exige meses de trabalho, logística e dedicação, uma rotina semelhante à das escolas de samba antes do período carnavalesco. Assim como os desfiles no Carnaval, a temporada de quadrilhas movimenta a economia local, o turismo e faz parte do calendário cultural de Pernambuco.
As competições de quadrilhas no Recife seguem regras rigorosas e são avaliadas por jurados especializados em diversos critérios. Cada grupo tem, em média, de 20 a 30 minutos para apresentar seu espetáculo, que precisa seguir obrigatoriamente uma sequência com o casal de noivos, marcador em cena e símbolos juninos através das vestimentas e da música.
Além do reconhecimento, os vencedores recebem prêmios que chegam a R$ 19,5 mil para o primeiro lugar, além de troféus e vagas para etapas estaduais e nordestinas. As apresentações são gratuitas e abertas ao público.
As duas principais competições em Pernambuco são o Concurso de Quadrilhas Juninas Adultas do Recife, promovido pela prefeitura, e o Festival de Quadrilhas Juninas do Nordeste, organizado pela TV Globo. Neste último participam grupos de toda a região, e as apresentações são transmitidas pela televisão.
Tradição do século 19
Símbolo de uma tradição que se inicia no século 19, a quadrilha junina vem se reinventando ao longo das décadas, incorporando elementos contemporâneos. A história recente das quadrilhas se mistura com a da própria Raio de Sol, fundada em 1996 por Alana Nascimento em Olinda.
Hoje o grupo está na expectativa de renovar os títulos conquistados no ano passado sob a direção artística da filha da fundadora, Leila Nascimento, que também é coreógrafa e bailarina.
“É difícil mensurar em palavras o amor que sinto pela cultura quadrilheira. Eu faço parte da Raio de Sol há 29 anos, comecei criança”, diz. “Junho é o momento do ano em que tudo isso fica aparente para o público, mas uma quadrilha não é só seu espetáculo. É fruto do trabalho de um ano inteiro e intensas pesquisas.”
Além dos 120 bailarinos, há uma figura que não sai nunca de cena e que chama a atenção do público em todos os grupos de quadrilha, o marcador. Essencial para o enredo, sua falta leva inclusive à desclassificação nos concursos.
Meio narrador, meio personagem, é ele quem conduz a narrativa e anima a plateia. Rulio Vangeles é o marcador da Raio de Sol há 10 anos e brincante de quadrilha junina há mais de 30.
Ele conta que acaba desenvolvendo também um papel de preparador e mantenedor da tradição das quadrilhas de antigamente com os famosos comandos “alavantú”, “anarriê”, “balancê” e afins.
“O marcador tem essa função de costurar os espetáculos, explicando momentos específicos, para que os jurados e o público possam entender nossa opereta. A gente não perde em nada para os espetáculos da Broadway porque conseguir colocar 120 pessoas executando a mesma coreografia com perfeição, com cenografia e interpretação não é brincadeira”, conta.
Se agora a Raio de Sol vive plenamente o ciclo de 2025, a cabeça de Leila e dos outros membros da diretoria já está em 2026. Assim que passa o São João começa a definição do tema do próximo ano e os preparativos.
O primeiro ensaio geral com os bailarinos já tem data marcada: primeiro domingo de janeiro. A partir daí, todo fim de semana eles se encontram para afinar a coreografia cuja maior característica é a sincronia e simetria visual, fatores decisivos nas pontuações dos concursos.