SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – São 42 obras que passaram pelo crivo de Luisa Strina, a principal galerista do país e uma árbitra do bom gosto em arte. Algumas delas -como um quadro de ferro com um vidro no meio cravejado por uma bala, de Jimmie Durham- saíram diretamente das paredes do apartamento da marchande, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, para a exposição que inaugura neste domingo.
Outras, de grande escala, a exemplo de uma instalação de Marepe com dezenas de guarda-chuvas pendurados a partir do teto, só podem ser mostradas em espaços amplos, como a Casa Bradesco de Cultura, com pilares de concreto aparente e paredes descascadas.
O espaço, localizado dentro da Cidade Matarazzo, em São Paulo, recebe agora a exposição que reúne um conjunto de obras do acervo de Strina, tanto de sua coleção particular quanto do arquivo de sua galeria que, no ano passado, completou 50 anos, tornando-se uma das mais longevas do Brasil.
Desde a década de 1970, Strina impulsiona artistas conceituais, nomes antes desconhecidos, mas hoje fundamentais na arte brasileira, como Cildo Meireles e Fernanda Gomes. Sem ficar parada no tempo, nos últimos anos a marchande deu espaço a uma geração mais nova, passando a representar talentos como Bruno Baptistelli, Panmela Castro e Luisa Matsushita.
Diante de um arco temporal de meio século e de dezenas de artistas relevantes, como escolher o que entraria na exposição que representa a galerista de maneira mais pessoal? São “obras importantes, que estiveram em exposições importantes”, diz Strina, numa pausa durante a montagem da mostra. “Obras bonitas e obras grandes -a maioria não cabe num espaço de galeria.”
Por exemplo, “Seção Diagonal”, de Marcius Galan, é uma obra que dialoga com a arquitetura ao ocupar um grande espaço simulando paredes de vidro que vão de uma ponta a outra da sala, feitas apenas com o uso de luz, tinta nas paredes e cera no chão. Outro trabalho de porte é uma rede imensa que cruza o espaço expositivo de lado a lado -a obra de Laura Lima foi mostrada em 2010, na Casa França Brasil.
Kiki Mazzucchelli, uma das organizadoras da exposição junto a Marcello Dantas, afirma que muitas das obras em exibição não são vistas há bastante tempo, embora tenham sido mostradas em eventos importantes, como os guarda-chuvas de Marepe, que estiveram numa edição da Bienal de São Paulo há quase 20 anos.
Outras, ela acrescenta, ainda não foram exibidas para o público do Brasil, caso da instalação de Bruno Baptistelli composta por uma guitarra plugada em duas pinturas pretas, que esteve na feira Art Basel Miami Beach do ano passado. O instrumento pode ser tocado, e seu som sai pelo amplificador escondido sob uma das telas.
“Sendo Jimi Hendrix um guitarrista negro, criador de uma espécie de gramática do instrumento, escolhi um modelo amplamente utilizado por ele e com o qual o artista se apresentou em Woodstock, tocou o hino americano e o levou em sua última apresentação, na Alemanha, antes de morrer, em 1970 -uma Fender Stratocaster branca”, diz Baptistelli. “Um contraponto ao trabalho preto/negro na parede.”
Há também outra guitarra na mostra, esta do mexicano Pedro Reyes, formada por revólveres e metais de armamentos descartados, maneira pela qual o artista aborda a alta mortalidade por armas de fogo em seu país natal.
Durante a montagem, Strina é consultada a todo momento –os assistentes querem saber se a iluminação está adequada, se tal obra vai mesmo ficar escorada na parede. Nos momentos mais calmos, ela observa com atenção o que já foi arranjado.
O repórter pergunta a ela com quais obras da exposição mantém uma ligação afetiva, afinal a mostra é uma parte representativa de sua vida. A galerista se emociona e fica com os olhos marejados. Seguem-se segundos de silêncio em que ela precisa pegar ar para responder.
“Tem obras que é muito difícil vender. A gente se afeiçoa. Gosto muito do Leonilson, acho que é meu artista do coração”, ela diz, mencionando uma pintura de conchas exposta no andar de cima, que segundo ela nunca foi mostrada ao público. Trata-se de uma tela em tinta acrílica sobre lona, feita em 1984 pelo cearense, uma das únicas pinturas da exposição, voltada mais para instalações e esculturas.
“Crivo – A Perspectiva de Luisa Strina” é a segunda exposição a ocupar a Casa Bradesco de Cultura, espaço inaugurado no ano passado com uma mostra de Anish Kapoor. É também a primeira vez que se pode ver o local como ele é, porque uma das obras do indiano, uma grande bola vermelha que fazia referência a uma inflamação, se estendia do chão ao teto, ocultando parte da arquitetura das galerias expositivas.
Na mostra que abre agora, há espaço, é possível caminhar ao redor dos trabalhos. São alguns metros entre o cavalete de vidro que levou um tiro -obra de Marcelo Cidade-e o berço de madeira de Isay Weinfeld, e outros tantos passos até as variações de uma escada presas na parede, esta uma obra de Cildo Meireles, artista sempre lembrado ao se mencionar o nome de Luisa Strina.
A marchande, como se nota na exposição, sempre teve o olho voltado ao experimental. No térreo, há uma jaula de Eduardo Basualdo e um grande retângulo de tecido envolto por cordas, obra de Laura Lima que fez parte de um exposição na galeria de Strina aberta inicialmente para gatos. Os felinos tiveram acesso antecipado à obra e fizeram a festa, arranhando o tecido e soltando pelos, características mantidas pela artista.
“Crivo” também funciona como um complemento à exposição comemorativa dos 50 anos de sua galeria, que aconteceu em dezembro do ano passado e reunia obras de menor porte, também de sua coleção pessoal. “Estava com medo que ficassem poucas obras”, diz Strina, ao comentar que, quando viu o espaço estilo galpão da Casa Bradesco, falou que ali seria um bom lugar para mostrar seus artistas.
Ainda emocionada com o resultado, ela diz: “Está muito bonito. Eu não esperava.”