SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cerca de 80% dos casos de demência no Brasil estão sem diagnóstico, taxa muito mais alta em relação a de países desenvolvidos. Na Europa, por exemplo, a média é de 54%, e na América do Norte, de 63%.

Os dados constam em um relatório do Economist Impact, braço do grupo britânico The Economist Group, que analisou como três países de América Latina (Brasil, Colômbia e México) estão se preparando para lidar com as consequências geradas pela crescente carga das demências.

No Brasil, cerca de 1,8 milhão de pessoas acima de 60 anos ou mais vivem com alguma forma de demência. Até 2030, serão 2,8 milhões. A doença de Alzheimer, principal foco do relatório, responde por até 70% dos casos.

O documento, financiado pela farmacêutica Elli Lilly, destaca a necessidade de ações coordenadas para diagnóstico precoce, suporte a cuidadores e políticas públicas eficazes.

Para Luiz André Magno, diretor médico da Lilly, um dos pontos que chama a atenção no relatório, além do grande número de pessoas vivendo com demências, são as iniquidades do diagnóstico.

“Só 20% [dos casos] são diagnosticados. E a gente nem está falando de diagnóstico no tempo adequado, porque isso é ainda mais raro”, afirma.

Além de dados, o documento traz entrevistas com pesquisadores e especialistas brasileiros sobre desafios no enfrentamento da doença. Na questão do diagnóstico, uma das barreiras apontadas é a falta de conscientização da população sobre a doença.

Segundo o geriatra Milton Crenitte, diretor técnico do Centro Internacional de Longevidade Brasil, as pessoas ainda pensam que a demência é uma consequência natural do envelhecimento. “Muitas já estão com problema de memória e não sabem.”

Também existe a percepção de que não há nada a ser feito para controlar a doença. Embora não exista cura para o Alzheimer, há tratamentos que podem desacelerar a sua progressão. A Elli Lilly aguarda aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do donanemabe, medicamento que pode retardar o avanço do Alzheimer em estágios iniciais.

“Mas raramente o Alzheimer é a única causa da demência, embora seja a principal. É muito comum a gente ter uma associação de doenças neurodegenerativas, por exemplo, a doença vascular”, afirma o neurologista Paulo Caramelli, professor da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Nesse contexto, tem ganhado força nos últimos anos o conceito de prevenção dessas doenças. Um estudo conduzido por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) aponta que 54% dos casos de demência na América Latina poderiam ser evitados com o controle de alguns fatores de risco.

Diabetes, hipertensão, tabagismo, sedentarismo, perda auditiva e baixa escolaridade estão entre os mais prevalentes. Esse trabalho também aponta que a incidência no Brasil, de 48,2%, é um pouco menor do que na região, mas ainda superior à média mundial, que gira em torno dos 40%.

“A prevenção pode ser feita ao longo da vida, tem um impacto de redução do risco muito significativo, e está acessível a todos nós. Pode interferir em mecanismos fisiopatológicos de mais de uma doença”, afirma Caramelli.

Mas para isso, além do financiamento de políticas públicas voltadas para essas questões, os especialistas dizem que é fundamental o investimento na capacitação de profissionais da atenção primária para o reconhecimento precoce dos sinais das demências e orientação dos familiares e cuidadores.

“A maior parte dos casos de Alzheimer não vão ser tratados por um geriatra ou um neurologista, por exemplo. Então, é o médico de família, o generalista, que precisa estar capacitado para reconhecer, diagnosticar e tratar o Alzheimer da melhor maneira possível”, diz Creditte.

Segundo Paulo Caramelli, ainda é muito pouco o conteúdo sobre demência nas escolas médicas do país. “Há exemplos que fogem da regra, mas a maior parte tem pouca carga horária para conteúdos sobre demência e outros agravos do envelhecimento.”

O documento também reforça que, embora o Brasil tenha dado um passo importante com a criação da Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências, ainda não há plano claro para sua implementação em nível federal.

Estados como Ceará e Rio Grande do Sul já possuem políticas estaduais, mas ainda carecem de aporte financeiro. O cenário atual é de baixa conscientização pública, formação insuficiente de profissionais, acesso limitado a diagnósticos de ponta e ausência de apoio estruturado a cuidadores_geralmente familiares, mulheres e não remunerados.

“A gente celebra a ciência, mas com os pés no chão, pensando nos desafios do cuidado. A maior parte do cuidado hoje de alguém que vive com demência é feito por um familiar ou um cuidador informal, a grande maioria é mulher. Essas mulheres estão adoecidas, param de trabalhar, não se cuidam porque não dá tempo, porque estão estressadas”, afirma o geriatra Creditte.

O relatório da The Economist aponta cinco áreas estratégicas de intervenção para o enfrentamento do desafio das demências no país.

Educação e conscientização: combater o estigma e o mito de que a perda de memória é “natural” na velhice. Campanhas permanentes voltadas à população em geral são fundamentais, especialmente nas regiões mais vulneráveis.

Formação e capacitação profissional: criar programas estruturados de capacitação para profissionais da saúde, inspirados em modelos de outros países.

Integração do sistema de saúde: reduzir desigualdades no acesso a diagnósticos e terapias, ampliando a estrutura e equidade entre o sistema público e privado.

Implementação da política nacional: garantir orçamento, padronização entre estados e metas claras para efetivar a Política Nacional de Cuidado Integral.

Apoio aos cuidadores: criar redes de suporte emocional, capacitação técnica e compensações financeiras para quem precisa deixar o trabalho para cuidar de familiares.