BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – O governo do Pará previu repartir com médias e grandes propriedades rurais uma fatia de 7% da arrecadação com créditos de carbono no estado, mesmo percentual previsto para agricultores familiares.

Em reunião na sede do MPF (Ministério Público Federal) em Belém, em novembro de 2024, uma apresentação de dados do governo de Helder Barbalho (MDB) detalhou a proposta de repartição de benefícios, a partir de eventual arrecadação com venda de créditos de carbono a serem gerados por um programa do estado.

Segundo os dados mostrados, a repartição contemplaria as seguintes fatias: povos indígenas, 24%; extrativistas, 14%; quilombolas, 14%; agricultores familiares, com áreas de até quatro módulos fiscais, 7%; e produtores rurais com áreas acima de quatro módulos fiscais, 7%. Os outros 34% se destinariam à proteção e ordenamento territorial e à gestão do sistema em fase de criação.

O tamanho de um módulo fiscal varia de cidade para cidade, conforme o perfil de cada lugar. No Pará, um módulo pode chegar a 75 hectares. Uma propriedade média tem mais de quatro módulos e um grande imóvel rural, mais de 15 módulos fiscais, segundo critérios do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Créditos de carbono são gerados a partir de desmatamento evitado da floresta. Empresas que querem compensar suas emissões de gases de efeito estufa compram esses créditos.

Estados amazônicos, como o Pará, desenvolvem programas próprios, mas comunidades tradicionais no estado –responsáveis pela preservação– dizem não ter sido consultadas. O governo paraense já assinou um contrato para venda futura de créditos de carbono no valor de R$ 1 bilhão. Na última terça-feira (3), o MPF ingressou com ação na Justiça Federal com pedido de anulação do contrato.

Em dezembro, MPF e MP (Ministério Público) estadual manifestaram contrariedade com a repartição de benefícios planejada pelo governo do Pará.

“O pequeno produtor receberá o mesmo percentual, 7%, que os médios e grandes proprietários de terra do Pará, tratando, portanto, da mesma forma grupos com disparidades profundas”, afirmaram 18 procuradores da República e promotores da Justiça em um documento com recomendações assinado em 6 de dezembro.

Entre as nove recomendações feitas ao governo do Pará, uma tratou da repartição de benefícios a produtores rurais. O MPF e o MP do Pará pediram que os 7% destinados a “médios e grandes proprietários rurais” fossem redistribuídos a agricultores familiares e comunidades tradicionais.

Isso deveria ocorrer em razão da “total incoerência da participação dos maiores causadores das mudanças climáticas na repartição de benefícios desse sistema”, afirmaram os procuradores e promotores. A mudança deveria ocorrer em 30 dias úteis, conforme a recomendação feita.

A reportagem da Folha de S.Paulo questionou o governo do Pará sobre a recomendação.

Em nota, a Semas (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade) afirmou que os recursos não serão transferidos diretamente aos produtores, mas investidos em políticas públicas voltadas à sustentabilidade nas áreas produtivas. O objetivo, segundo a Semas, é combater o desmatamento nessas áreas.

“O percentual proposto é de 7% para a produção agropecuária sustentável, independentemente do tamanho da propriedade”, disse o governo. No Pará, conforme a secretaria, 90% dos imóveis destinados à pecuária têm até quatro módulos fiscais ou são assentamentos de reforma agrária.

“O estado está executando o maior processo de consultas a povos e comunidades tradicionais de sua história. São 47 consultas a essas comunidades sobre o sistema jurisdicional de REDD+ [o sistema que permite a geração e venda dos créditos de carbono], processo em que a repartição de benefícios é uma das principais pautas”, cita a nota.

Na apresentação feita ao MPF, em novembro, foram listadas as ações previstas para agricultores familiares e para proprietários rurais em áreas superiores a quatro módulos fiscais, como pagamento por serviço ambiental, assistência técnica e rastreabilidade animal.

A ação civil pública protocolada pelo MPF no último dia 3 pede a suspensão imediata e a anulação do contrato de venda futura de créditos de carbono, no valor de R$ 1 bilhão.

Na ação, assinada por 20 procuradores, o MPF pede que o governo de Barbalho seja condenado a pagar danos morais coletivos no valor de R$ 200 milhões, por ter vendido receitas de ativos ambientais sem a devida consulta livre a comunidades tradicionais e por ter estabelecido uma cláusula contratual de ressarcimento a uma instituição intermediária do negócio.

Os alvos da ação são o Estado do Pará e a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará, vinculada ao governo local.

A União também foi citada na ação, para que se abstenha de conceder carta de autorização para que o governo do Pará busque uma certificadora internacional, de forma a validar os créditos de carbono.

Segundo a Procuradoria, o contrato configura venda antecipada dos créditos, o que é proibido pela lei que passou a regulamentar o mercado de carbono no país, conforme os procuradores.

Enquanto não houver adequação à legislação, o Estado do Pará deve ser impedido de receber pagamentos por créditos de carbono, pede a ação.

Os procuradores afirmam que o governo de Barbalho tenta aprovar esse sistema de créditos antes da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), “o que tem gerado considerável pressão sobre povos indígenas e comunidades tradicionais no Pará, com o intuito de uma célere aprovação do referido sistema”. Belém sediará a COP30 em novembro.

O governo do Pará afirmou que o contrato é um pré-acordo com condições comerciais futuras, sem transações efetivas ou obrigação de compra antes da verificação da redução de emissões. “Está integralmente dentro da legalidade”, disse.