SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Governo, Judiciário e Ministério Público intensificaram, nos últimos meses, em todo o país, ações de reconhecimento, memória e homenagem relacionadas a espaços marcados pelo período da ditadura militar.

Especialistas ouvidas pela Folha de S.Paulo dizem que as iniciativas encontraram maior receptividade, tanto nos Poderes quanto na população, após os atos de 8 de Janeiro e o primeiro filme brasileiro vencedor do Oscar, “Ainda Estou Aqui”.

No último mês de abril, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lançou mapeamento que identificou e documentou, até o momento, 49 locais históricos marcados pela repressão e pela resistência durante a ditadura em diferentes regiões do país.

Mais recentemente, a Justiça de São Paulo determinou que a prefeitura apresente cronograma para alterar os nomes de ruas e locais que homenageiam militares e figuras ligadas ao regime. A decisão ordena a renomeação de 11 vias e espaços públicos.

No Rio de Janeiro, a Justiça estadual determinou que a posse da Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), passe à prefeitura. O local foi um centro clandestino onde opositores foram presos, torturados e assassinados.

A medida, que contou com o apoio do Ministério dos Direitos Humanos, permite que o município transforme o espaço em um memorial público.

O MPF (Ministério Público Federal), por sua vez, também recomendou que um imóvel antigo do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) no centro do Rio de Janeiro seja revertido ao governo federal para a criação de um centro de memória.

A medida é resultado de um inquérito civil público instaurado em março de 2024 a partir de representação do coletivo RJ Memória Verdade Justiça e Reparação.

Ainda no Rio, o MPF recomendou ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) prioridade no tombamento do prédio onde funcionou uma das unidades do Doi-Codi (Centro de Operações de Defesa Interna).

O processo tramita há mais de dez anos no instituto, que ainda não concluiu a fase de instrução. O prédio foi local de tortura e morte de presos políticos durante a ditadura, entre eles o ex-deputado federal Rubens Paiva, cuja história foi retratada no filme “Ainda Estou Aqui”.

“Atos de memória também funcionam como uma reparação para aqueles que lutaram. São importantes, porque têm o condão de mostrar para a sociedade ensinar à sociedade que aquelas violações foram praticadas e os lugares onde elas foram praticadas”, diz a presidente da Comissão de Anistia, Ana Maria Lima de Oliveira.

Segundo ela, a partir dos atos de 8 de Janeiro e da repercussão do filme de Walter Salles, houve um despertar, que levou a sociedade a refletir que se tivermos espaços que contam o que aconteceu no passado, estamos sujeitos a repetir.

Para ela, ações de resgate e de memória se tornam mais importantes diante da declaração do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), à Folha de S.Paulo, na qual ele relativiza a história do regime e afirma que “tudo é questão de interpretação”.

Oliveira diz que, como governante, Zema deveria ter mais cautela ao falar de um Estado ditatorial que matou, violou, prendeu e assassinou. “Exatamente a falta da memória histórica do que foram as violações cometidas pela ditadura sustentam falas antidemocráticas, que claramente violam a democracia.”

Eugênia Gonzaga, procuradora da República e presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, afirma ser “lamentável ver autoridades públicas, negando a história do país, a gravidade que é quebra da legalidade”.

Na opinião dela, a fala revela como a ditadura no Brasil foi eficaz ao esconder a realidade da nação. “Não acredito que ele consiga relativizar mortes de mulheres de 18, 19 anos, estupros seguidos, pessoas grávidas no pau de arara. Não é possível que ele defenda, que ele relativize uma coisa desse jeito. Credito isso à falta de conhecimento.”

Gonzaga diz que, assim como em outros países onde existiram situações de conflitos internos graves, o Brasil também precisa criar espaços de memória, que hoje são poucos, mesmo na comparação com nações vizinhas.

A procuradora ressalta, no entanto, que as ações ganharam mais fôlego, com maior acolhimento do Executivo e do Legislativo, que tem destinado mais emendas parlamentares para esses temas. “[Isso era] coisa que, no passado, só alguns faziam isso. Agora esse número já aumentou.”