PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – As homenagens dos franceses fizeram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se sentir em casa em Paris nesta quinta-feira (5). O líder brasileiro fez longos discursos no Palácio do Eliseu, sede da Presidência francesa, e na prefeitura parisiense. Ganhou camisa de futebol, iluminação especial na Torre Eiffel e até propôs um neologismo para o dicionário da Academia Francesa.
Lula foi chamado de “lenda viva” pela prefeita de Paris, a socialista Anne Hidalgo, que o recebeu em um evento para 600 convidados, a maioria da comunidade brasileira na França. Os dois são amigos. Em 2020, ele recebeu dela o título de cidadão honorário da capital francesa.
O presidente fez uma entrada triunfal no suntuoso salão de festas da prefeitura, cumprimentando dezenas de apoiadores no corredor que levava ao palco. Depois, deu um abraço em duas convidadas especiais: Lélia Salgado, viúva do fotógrafo Sebastião Salgado, morto em 23 de maio, e Nalu Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura militar em 1971.
“Realmente é uma pena que Sebastião não esteja, porque ele ficava tão feliz cada vez que via Lula”, disse Lélia, visivelmente emocionada.
Lula pegou de surpresa a ministra da Cultura, a cantora Margareth Menezes, ao pedir que interpretasse uma música à capela: “Faça um bonito aqui”, disse.
“O presidente Lula tem essas surpresas, né? Tinha nada combinado”, comentou Margareth, antes de cantar “Coração de Estudante”, de Milton Nascimento.
Só então Lula iniciou seu discurso. “Eu queria dizer algumas palavras. O problema de falar de improviso é que ‘algumas palavras’ viram muitas palavras.”
Não poderia ter sido mais preciso. Diante de uma plateia amplamente favorável, Lula fez um improviso de 42 minutos, abordando da infância sofrida a uma conversa recente com Chico Buarque, submetido há poucos dias a uma cirurgia no cérebro. “Quero fazer uma reunião com os melhores artistas e jogadores brasileiros, que nasceram exatamente entre 1940 e 1950.”
Lula revelou o teor da sessão da Academia Francesa em sua homenagem. Como é tradição na instituição, o homenageado propõe uma palavra nova, para ser debatida pelos acadêmicos e incluída no dicionário editado pela própria Academia. Ele escolheu “multilatéralisme”.
“Eu fico orgulhoso porque sou um cidadão que não sou acadêmico, não tenho diploma universitário, tenho um curso primário e um curso técnico feito no Senai. E fico orgulhoso de ter trazido uma palavra para enriquecer o dicionário francês. Multilateral todo mundo sabia o que era, mas multilateralismo não. O ‘ismo’ foi o que nós colocamos”, brincou.
A rigor, o termo, que descreve a cooperação entre vários países em questões internacionais, defendida por Lula, já existe na língua francesa. Em uma base de dados histórica da imprensa local, a primeira menção data de 1949. Mas de fato não faz parte do respeitado dicionário da Academia, publicado desde 1687.
Na sede da Presidência francesa, Lula deu o tom desde a chegada, ao subir a escadaria do Eliseu de mãos dadas com a primeira-dama, Janja, e com o presidente Emmanuel Macron. Falou bem mais que o anfitrião durante a declaração conjunta de ambos à imprensa.
De Macron, aliás, foi alvo de uma cobrança sutil. O presidente francês destacou o papel do Brasil para convencer a Rússia a encerrar a Guerra da Ucrânia -e fez questão de diferenciar agressor e agredido, enquanto Lula voltou a falar sobre como os dois países precisam dialogar para encontrar consensos.
O brasileiro criou também um embaraço em potencial para o francês, ao afirmar que fará aprovar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, tema delicado na política local. E disse que a ministra Marina Silva, que tem problemas crônicos de saúde, está “bem magrinha” de tanto trabalhar para reverter o desmatamento.
Ainda no Eliseu, o presidente brasileiro ganhou de presente uma camisa 10 do Paris Saint-Germain, estampada com seu nome. Retribuiu ao presidente francês com um banco de madeira em formato de tamanduá, do artista Waxamani Mehinako; duas garrafas de cachaça; e um quadro com uma foto do Maracanã, do fotógrafo francês radicado no Brasil Marcel Gautherot (1910-1996).
À noite, Lula ganhou a homenagem final: a Torre Eiffel iluminada com as cores da bandeira brasileira. Mas a chuva que caiu em Paris durante várias horas tirou um pouco do efeito pretendido.