SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A probabilidade de uma criança brasileira que faz parte da metade mais pobre ter ascensão social capaz de colocá-la entre os 10% mais ricos quando adulta é menor do que 2%. Dois terços delas muito provavelmente permanecerão entre os 50% mais pobres na vida adulta, e apenas 10,8% subirão ao patamar dos 25% mais ricos.

Menos de 2% também conseguirão terminar uma faculdade, e o mais provável é que a metade chegue ao fim do ensino médio, segundo o novo Atlas da Mobilidade Social, do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), plataforma de acompanhamento de políticas públicas com foco na ascensão social.

Os resultados mostram a baixíssima de mobilidade social no Brasil, fato que leva o país a manter altas taxas de pobreza e uma profusão bilionária de programas sociais (como o Bolsa Família, com R$ 158 bilhões em 2025) para mitigar os efeitos da falta de renda e oportunidades entre os mais pobres.

A Atlas reúne dados de IBGE, Receita Federal e CadÚnico, entre outros, de 1983 a 2019 para calcular a evolução. Nas regiões Norte e Nordeste, é muito maior a chance de crianças na metade mais pobre permanecerem no mesmo patamar na vida adulta (78,3% e 76,4%, respectivamente). No Sul, ela é menor: 41,4%. Estados agrícolas também aparecem como tendo maior possibilidade de ascensão social.

“Isso mostra como políticas de desenvolvimento regional [como Sudene, Sudam e Zona Franca de Manaus] tiveram pouco efeito ao longo do tempo”, diz Paulo Tafner, diretor-presidente do IMDS. “De um modo geral, o que acontecia até os anos 1980, em que os filhos tinham maior renda e escolaridade que os país, ficou cada vez mais difícil a partir dos anos 1990.”

Para Naercio Menezes, professor da Cátedra Ruth Cardoso no Insper e da FEA-USP, a educação desempenha papel fundamental na melhora da renda futura. Mas a precariedade do ensino no Brasil reduz a possibilidade de ascensão social.

Menezes cita pesquisa recente do economista Eric Hanushek e outros (“Global universal basic skills: Current deficits and implications for world development”), em que foram calculadas as parcelas de jovens que não têm as habilidades básicas para o trabalho em 159 países.

“No Brasil, 66% dos jovens não atingem o básico para o mundo do trabalho. Isto significa que 2/3 não têm o mínimo para obterem chance de sucesso na vida, especialmente em um mundo em que tecnologias de informação e inteligência artificial irão substituir os humanos em várias tarefas”, afirma.

A situação brasileira é similar à da América Latina, com exceção do Chile (44%). Nos países europeus, no entanto, apenas 20% dos jovens não atingem as habilidades básicas para o mercado de trabalho.

“É por isso que a maioria dos jovens brasileiros acaba trabalhando em ocupações que não exigem essas habilidades, como entrega de comida por aplicativo, ou são ‘nem-nem’ [não trabalham ou estudam] ou estão envolvidos com o crime.”

Menezes afirma que uma série de fatores contribui para a má qualidade do ensino, mas destaca os problemas na formação básica dos professores, que acabam progredindo nas carreiras sem cursos de gestão, e o fato de as 5.570 prefeituras do país poderem fazer o que bem entender na educação básica dos alunos até a quinta série.

“Muitos prefeitos acabam alterando boas políticas só para se diferenciarem de seus antecessores”, diz.

Outro ponto destacado por pesquisadores é a instabilidade macroeconômica, que leva a períodos de altos e baixos, fazendo com que os mais pobres muitas vezes sofram com a descontinuidade de oportunidades de trabalho ou tenham que deixar a escola para conseguir alguma renda.

Entre 2012 e 2021, por exemplo, apesar de um expressivo aumento de 27% nos anos de estudo (de 6,4 para 8,1) da população na metade mais pobre, a renda do trabalho dessa parcela despencou 26,2%, segundo a FGV Social.

No período, a crise econômica gestada no segundo governo de Dilma Rousseff (PT) derrubou o PIB em mais e 7% no biênio 2015-2016 -aumentando o desemprego e a pobreza.