RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A condenação do juiz Marcelo Bretas no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na última terça-feira (3) usou provas que podem atingir a raiz de todos o processos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro contra o ex-governador Sérgio Cabral.
Um dos principais elementos da decisão foi uma gravação em que o juiz debate com o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho e um procurador da força-tarefa fluminense sobre como a confissão do empresário Fernando Cavendish num interrogatório afetaria o acordo de delação à época ainda em negociação.
O relatório do conselheiro José Rotondano aponta como a confissão de Cavendish era relevante para Bretas reforçar a conexão entre a ação penal da Operação Saqueador, que mirou o empresário, e a Operação Calicute, contra Cabral.
Esse vínculo foi essencial para que o magistrado se tornasse o responsável pela condução dos processos contra o ex-governador.
“A confissão de Fernando Cavendish era, de fato, muito importante para o reconhecimento da sua competência, por quanto garantiria a conexão entre as duas operações citadas por Nythalmar Ferreira, a Saqueador e a Calicute”, disse Rotondano.
O CNJ aplicou a Bretas a pena de aposentadoria compulsória, entre outros motivos, porque entendeu que o magistrado buscou manipular processos a fim de confirmar sua competência para acumular a condução de ações penais.
Ele nega a acusação e afirma que “as meras palavras mentirosas de um advogado criminoso foram aceitas como verdades no processo administrativo.”
Desde 2021, diversos processos foram retirados de suas mãos por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) com o entendimento de que a conexão entre eles não era suficiente para mantê-los obrigatoriamente sob responsabilidade do magistrado. Parte desses casos teve sentenças anuladas.
Contudo, algumas condenações permanecem válidas em razão da conexão entre a Saqueador e a Calicute. O STF entendeu que denúncias contra Cabral sob acusação de corrupção envolvendo empreiteiras ainda seriam de responsabilidade de Bretas.
Os conselheiros não se debruçaram sobre os efeitos da decisão sobre os atos de Bretas. Contudo, a defesa de Cabral usará a decisão do colegiado para fazer nova investida contra a atuação do juiz em todos os processos contra o ex-governador.
O magistrado do Rio de Janeiro foi responsável por 22 das 24 condenações contra o ex-governador. Deste total, sete foram anuladas.
Um eventual efeito cascata sobre as sentenças contra Cabral, contudo, não zeraria o passivo penal do ex-governador. Ele tem duas condenações criminais não expedidas por Bretas: uma determinada pelo ex-juiz Sergio Moro e já confirmada no STJ (Superior Tribunal de Justiça), sobre corrupção no Comperj, e outra pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por acusação de uso abusivo de helicópteros do estado.
Essas duas condenações mantêm o impedimento do ex-governador se candidatar, pelas regras em vigor da Lei da Ficha Limpa.
A Operação Saqueador tinha como foco a geração do caixa dois da empreiteira Delta, comandada por Cavendish, para o pagamento de propinas. Ela menciona repasses ilegais ao ex-governador, apesar de ele não ser um dos acusados desse processo.
Essa menção ajudou a tornar Bretas prevento para assumir os casos envolvendo Cabral. A prevenção faz com que as investigações e denúncias sejam encaminhadas diretamente a um magistrado a par do assunto, e não sorteadas, como é a regra. O objetivo é evitar decisões conflitantes, bem como agilizar a análise de casos complexos.
A gravação usada no CNJ mostra Bretas conversando com Nythalmar sobre a possibilidade de confissão de Cavendish. O advogado relata temor do empresário em assumir os crimes sem um acordo assinado pelo Ministério Público Federal. A preocupação era de que a Procuradoria poderia perder o interesse na delação após o depoimento.
O magistrado, então, liga para ao procurador Leonardo Freitas para relatar que Cavendish “está com dificuldade em confessar” porque a equipe do advogado Antônio Pitombo, que também defendia o empresário, resistia a concordar com essa orientação em razão da não formalização do acordo.
O procurador disse, com a ligação em viva-voz, que se comprometia a continuar defendendo a assinatura do acordo mesmo após a confissão. O juiz também afirmou que reduziria a pena do empresário em razão da confissão.
O áudio mostra que Freitas se surpreendeu com o envolvimento de Nythalmar no caso. Ele afirma que estava tratando da delação de Cavendish com Pitombo, e não com o advogado presente na conversa.
De fato, Nythalmar não tinha nenhuma procuração de Cavendish para atuar na Saqueador naquela altura. Ele atuava em favor do empresário em outro processo, sobre cartel em obras no Rio de Janeiro. Pitombo só deixou a defesa de Cavendish por completo em janeiro de 2018.
O fato de Bretas tratar com Nythalmar a confissão de Cavendish mesmo sem a procuração reforçou, para o CNJ, os indícios de conluio entre o magistrado e o advogado.
“Além de o magistrado promover tratativas informais com o advogado, que não possuía procuração nos autos, tinha pleno conhecimento dos termos do acordo de colaboração a ser firmado e assumiu o compromisso em relação ao ‘quantum’ da pena a ser arbitrado. Ou seja, atuou no sentido de direcionar o processo para obter o resultado condenatório pretendido, valendo-se de meio inidôneo e agindo em notória afronta aos preceitos da lei, que veda a participação do juiz nas negociações entabuladas entre as partes justamente para separar as funções de investigação, acusação, defesa e julgamento”, disse Rotondano.