SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O secretário da Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, disse a seus colegas da Otan nesta quinta (5) que seu país não pretende mais ser o esteio da defesa da Europa, como vem sendo há 80 anos, e que está na hora de os países do continente assumir a tarefa.
“Seria apenas responsável da parte dos EUA avaliar continuamente nossa postura militar, e foi exatamente isso que fizemos. Os EUA não podem estar em todos os lugares o tempo todo, nem iremos. Agora é a hora de a Europa agir”, afirmou ele durante encontro ministerial da aliança em Bruxelas, onde tem sede.
Ele disse que Donald Trump tem como estratégia cuidar da segurança interna americana e, depois, da China. “Vamos defender e fecha nossa fronteira sul”, disse, um dia depois de o chefe proibir a entrada de cidadãos de 12 países nos EUA.
“Nós vamos assegurar que mudemos propriamente [a prioridade] para o Indo-Pacífico, restabelecendo a dissuasão por lá”, afirmou, repetindo um mantra de todo governo americano desde Barack Obama (2009-2017) cuja exequibilidade é sempre desafiada pela realidade, mais recentemente pela Guerra da Ucrânia.
Fora da equação do secretário está a Rússia, motivo do alarme europeu no campo da defesa. Vladimir Putin, afinal, tem sido tratado com uma impaciente deferência por Trump, que na véspera basicamente fez o papel de garoto de recados do Kremlin ao anunciar sem reação que o russo iria se vingar do ataque a suas bases de bombardeios por Kiev.
O presidente americano busca algum acordo entre os rivais, mas até aqui sua mensagem é de acomodação com o Kremlin, o oposto do que o antecessor Joe Biden fazia. Na conta também está a carta nuclear, sacada sempre em Moscou.
O secretário foi questionado por jornalistas se tudo isso significava o fim do apoio dos EUA, maior doador militar a Kiev na guerra, à Ucrânia. Ele não respondeu, dizendo apenas que não foi à reunião na véspera do grupo de países fornecedores de ajuda bélica a Volodimir Zelenski porque Alemanha e Reino Unido assumiram a coordenação dos esforços.
Hegseth se gabou do papel de Trump, que em seu primeiro mandato (2017-2021) cobrou o aumento do gasto militar europeu. A Otan “era uma aliança que caminhava sonâmbula à irrelevância e o presidente disse que vocês tinham de gastar mais”. “E ele fez o mesmo neste mandato.”
É uma meia-verdade baseada em fatos. Em 2014, quando Putin anexou a Crimeia, apenas 3 dos então 28 países do grupo atingiam ou superavam a meta de 2% do PIB com defesa, e dez anos depois são 24 de 32. Mas o motor da mudança foi a agressividade russa.
Agora, Trump estabeleceu uma meta de 5%, considerada irrealista em termos fiscais por analistas como os do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres. Na retórica, contudo, a Europa comprou o desafio, ciente de que não pode mais contar com os EUA como contava desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
O impacto é múltiplo, a começar pelo comprometimento de defesa mútua definido pela aliança, que sempre teve o guarda-chuva nuclear dos EUA à sua disposição para fazer frente ao ainda maior arsenal russo.
Em tese isso não muda, mas é sintomático que as outras duas potências atômicas do clube, Reino Unido e França, já falem em expandir suas capacidades e colocá-las à disposição dos sócios, embora isso seja muito complexo na prática.
Nesse sentido, Hegseth está certo ao falar em “natureza histórica” do “quase consenso” que viu entre seus aliados europeus para chegar aos 5%. Os EUA mesmo não cumprem tal meta, e sim 3,39% do PIB, mas o volume nominal é brutal, equivalendo a quase 40% de tudo o que mundo gasta com defesa.
Em resposta a Trump, a União Europeia, que usualmente só lidava com temas políticos e econômicos, decidiu anuncia uma meta de gasto equivalente a R$ 5 trilhões, que mais ou menos bate com uma média de 5% de dispêndio militar no continente dos seus 27 integrantes, 23 são da Otan.
Os anúncios de aumento de gastos têm se multiplicado. Em Bruxelas, o ministro alemão Boris Pistorius (Defesa) disse que seu país terá de aumentar o contingente militar em mais de 30%, atingindo talvez 230 mil soldados.
Já o belicoso secretário-geral da aliança, o holandês Mark Rutte, quer que os alemães estejam no centro da expansão das forças de combate do bloco, passando das atuais 82 brigadas para 131, ou cerca de 650 mil homens.
Ele também disse que quer ver quintuplicada a capacidade de defesa aérea do continente e a meta de 5% aprovada na próxima cúpula da aliança, nos dias 24 e 25 em Haia.
Tudo isso custa dinheiro, que depende de governos com aval popular para tal, e muito tempo. O objetivo estratégico de Putin ao atacar a Ucrânia, de redesenhar o espaço de segurança europeu, vai se cumprindo restando saber se a seu favor.