SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), 60, a ditadura militar é uma “questão de interpretação”.
Ao prometer conceder indulto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) caso seja eleito para o Palácio do Planalto, ele relativizou o regime autoritário que vigorou de 1964 a 1985 e disse que cabe aos historiadores “debater isso”.
Zema tem se apresentado como pré-candidato a presidente e busca construir uma plataforma de campanha. Na semana passada, esteve em El Salvador para conhecer o programa de segurança, que derrubou fortemente os índices de violência, mas sob acusação de abusos. Ele elogiou a política linha-dura e disse que seria modelo para sua eventual gestão.
Também promete um corte de gastos duro, inspirado no de Javier Milei na Argentina, mas diz não ver necessidade de um tratamento de choque.
Zema afirmou ainda que não disputaria a eleição contra Bolsonaro, mas não descartou sua candidatura caso um dos filhos ou a mulher do ex-presidente concorra em 2026.
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PERGUNTA – O sr. voltou de El Salvador tendo o país como um modelo na segurança pública?
ROMEU ZEMA – Sim. Visitei duas comunidades, conversei com dezenas de pessoas, e todas, sem exceção, falaram que a vida mudou da água para o vinho desde que o governo passou a equiparar facções criminosas a grupos terroristas.
P – É possível transplantar essa realidade para um país grande como o Brasil?
RZ – Totalmente. Se lá tem um efetivo policial, um Exército, aqui nós temos algo proporcional, plenamente viável. O que falta no Brasil é ter coragem de colocar criminosos atrás das grades.
P – Há denúncias contra o presidente Nayib Bukele, por perseguir e prender opositores. Isso não contraria uma coisa que o sr. defende, a liberdade de expressão?
RZ – Defendo a liberdade de expressão e o Estado democrático de Direito. As pessoas lá não tinham isso. Se alguém falasse alguma coisa, levava tiro, era executado. Hoje, eles têm liberdade de ir e vir a qualquer momento, não são extorquidos mais.
P – O que o senhor acha das ações que o governo Lula tem tomado nessa área, como a PEC da Segurança?
RZ – É uma PEC que não resolve o problema. O que eles estão fazendo ali é trocar o pneu de um calhambeque, de uma furreca. Hoje, Minas já troca informações com São Paulo, Goiás e Rio de Janeiro. Unificar todo o Brasil pode ajudar em alguma coisa, mas não vai na origem do problema, que é prender quem mata e quem rouba.
P – Há racionamento de combustíveis das viaturas policiais em Minas Gerais atualmente. Não é um contrassenso o sr. ter viajado para El Salvador usando dinheiro público?
RZ – Em Minas nós temos diversos indicadores de crimes que mostram se tratar do estado mais seguro do Brasil.
P – Os gastos com uma viagem dessas não seriam melhor aplicados dentro do próprio estado?
RZ – Eu fiquei lá três dias, fui com uma comitiva de mais seis pessoas e em avião de carreira. Trouxemos coisas que vão ajudar muito. Em El Salvador tem uma lei que determina que as operadoras de celular não podem ter sinal dentro dos presídios. Que maravilha seria se o Brasil fizesse isso. Se eu fui, foi para melhorar a segurança pública de Minas.
P – O sr. tem uma postura elogiosa ao presidente dos EUA, Donald Trump, mas ele adotou uma política de deportar imigrantes, sendo que muitos deles são mineiros. O sr. concorda com isso?
RZ – Todo país tem soberania. Acho que nós não podemos entrar em assuntos de outros países. O que lamento muito é o Brasil não ser a terra das oportunidades que nós poderíamos ser. Se tivéssemos aqui terroristas de outros países, nós íamos deixá-los soltos? Não que os brasileiros lá sejam terroristas.
P – Sobre a eleição, o sr. já se coloca como pré-candidato. Sairia candidato contra alguém da família Bolsonaro?
RZ – Fico satisfeito de ver que a direita tem várias opções e, quanto mais opções, mais chances, diferentemente da esquerda. Continuo confiante de que o presidente Bolsonaro possa ter os seus direitos políticos reconquistados e venha a ser o candidato. Se ele for, com toda certeza a direita vai trabalhar unida em torno do nome dele.
P – E se for um filho dele?
RZ – Aí eu acho que já vai ser um tanto quanto diferente. É difícil opinar nesse momento, está muito incipiente, mas continuo confiante no nome dele.
P – Se o Tarcísio for candidato à Presidência, o sr. manterá a sua?
RZ – É tudo muito incipiente.
P – O único contra quem o sr. não se candidata é o Jair Bolsonaro, é isso?
RZ – Está tudo muito verde ainda. Acho que nós temos que esperar. Temos muita coisa pela frente.
P – Caso o sr. seja eleito presidente, concederia indulto ao Bolsonaro?
RZ – Não foram concedidos indultos a assassinos e sequestradores aqui, durante o que eles chamam de ditadura? Agora você não vai conceder?
P – O sr. não tem convicção de que foi uma ditadura?
RZ – Não sei, eu não sou historiador, nunca me aprofundei.
P – O sr. tem dúvida?
RZ – Acho que não. Tiveram sequestradores e assassinos que receberam anistia, não foi? Nós temos que olhar para o futuro. Quando você está fazendo política e só procurando atacar, diminuir seus adversários, acho que isso prejudica muito o andamento da gestão.
P – Para não haver mal-entendido: quando o sr. diz “acho que não”, acha que não houve ditadura ou é porque não tem dúvidas de que houve?
RZ – Acho que tudo é questão de interpretação.
P – Qual é a sua interpretação, houve ou não ditadura?
RZ – Eu prefiro não responder, porque acho que há interpretações distintas. E houve terroristas naquela época? Houve também. Então fica aí. Acho que os historiadores é que têm de debater isso. Eu preciso me preocupar, hoje, com Minas Gerais.
P – Podemos entender, então, que o senhor daria o indulto ao Bolsonaro?
RZ – Sim, daria.
P – Recentemente, o senhor mudou a sua maneira de se comunicar, tem feito vídeos chamativos, colocou Lula como bebê reborn, comeu banana com a casca para denunciar a alta dos alimentos. Por que a mudança?
RZ – Em 2015 e 2016, o Brasil viveu a maior recessão da história, provocada pelo PT. Nós estamos vendo a repetição. Antes, eu era um mero empresário. Agora, tenho uma responsabilidade maior como governador. Tenho de mostrar, até para a minha consciência, que a repetição está acontecendo. É um governo que só quer gastar, viajar com comitiva de 200 pessoas para fora, não está nem aí para juros, ainda quer mais IOF para cobrar do setor produtivo. Se eu ficasse calado, seria omisso.
P – Mas o sr. não tem receio de que esse tom tire um pouco da sua credibilidade como um governador sério?
RZ – Não vejo nenhum constrangimento. O que a oposição em Minas faz comigo é muito pior. Já me enterraram não sei quantas vezes. Acho que faz parte do jogo da política e acaba fazendo com que as pessoas tenham um pouco mais de interesse.
P – O sr. falou muito sobre o governo Lula, mas ainda falta um ano e meio para a eleição. Acredita que ele possa recuperar popularidade?
RZ – Se o problema dele fosse só popularidade, poderia se recuperar. O problema dele é execução. Esse governo não entrega nada a não ser inflação, aumento de juros, de impostos e eventos demais. Toda hora é só anúncio e nada de entrega.
P – Como o sr. pretende explorar os pontos vulneráveis do governo?
RZ – Lamento que o governo parece querer ficar só entupindo a população de baixa renda de auxílio isso, auxílio aquilo. O que o brasileiro quer é ter dignidade, um salário, uma renda adequada, poder prosperar. O brasileiro está cansado de viver de esmola do Estado. Vive porque não tem alternativa. Nós temos de viabilizar a produção e a geração de renda do brasileiro.
P – O sr. citou o Bukele como um modelo de segurança. O Javier Milei é um modelo na economia?
RZ – O que está acontecendo na Argentina está muito no início ainda, mas há uma queda drástica na inflação e é o que todos os manuais de economia responsáveis recomendam. Não é imprimindo papel que você resolve os problemas. A Argentina está trilhando o caminho que vai colocá-la novamente na prosperidade. Leva-se tempo e muitas vezes as pessoas são imediatistas, mas nenhum país se tornou desenvolvido em 10, 20 anos.
P – Uma medida de choque é necessária para o Brasil?
RZ – Acho que não. Se fizermos aqui o gradualismo corretamente, o Brasil avança muito. Não precisamos de nenhuma revolução. Nós não temos uma inflação de 200% ao ano. Temos uma inflação alta que incomoda principalmente quem ganha menos. Uma redução no gasto público, uma reforma administrativa, seria muito bem-vinda e ajudaria aqueles que ganham menos.
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RAIO-X | ROMEU ZEMA, 60
Governador de Minas Gerais em segundo mandato, após ter sido reeleito no primeiro turno em 2022, é pré-candidato a presidente pelo partido Novo. Natural de Araxá (MG), é empresário e dono do Grupo Zema.