SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há três anos, o cineasta italiano Gianni Torres preparava um documentário sobre Chiara Samugheo, considerada a primeira fotógrafa profissional do país, e entrevistou algumas amigas dela, como Antonieta Felmanas, nascida no Cazaquistão e radicada há quase oito décadas no Brasil.
Naquele momento, uma outra amiga da fotógrafa comentou com Torres que Antonieta havia tido uma infância muito difícil, repleta de reviravoltas, que nunca havia sido contada em um filme.
No ano seguinte, o diretor retomou o contato com Antonieta e começou a botar de pé um documentário sobre ela. Depois de percorrer festivais na Europa e na Ásia, “Taibale” ganha a primeira exibição no Brasil. O documentário será apresentado nesta quinta, dia 5, no MIS (Museu da Imagem e do Som) de São Paulo em evento com entrada gratuita.
Antes da Segunda Guerra, a família judaica Reichel morava na pequena cidade de Kazyany, então pertencente à Polônia -hoje faz parte de Belarus. A vida era tranquila no lugar até o acordo assinado entre Alemanha e União Soviética em 1939.
Os russos invadiram a região e obrigaram boa parte dos moradores de Kazyany a deixar a cidade. Grávida, Hinde Reichel foi enviada para trabalhar em Bulaiev, à época parte da Sibéria e hoje no Cazaquistão. Em maio de 1940, nasceu Taibale Reichel, nome de batismo de Antonieta.
De volta a Kazyany em outubro de 1941, quando o pacto germano-soviético já tinha ruído, Hinde ouviu rumores de que os alemães estavam próximos da região e iriam matar os judeus, algo que não demoraria para se tornar realidade.
Ela, então, entregou a filha a uma família de proprietários de terra cristãos que, inseguros, deixaram a menina com camponeses, também cristãos.
Foram poucos os judeus dessa parte do Leste Europeu que conseguiram escapar dos nazistas. Taibale, no entanto, tinha uma prima, Rivka, que estava escondida nas florestas próximas -e mais do que isso convém não contar.
“Além do passado dramático, descobri uma mulher que dedicou a vida para ajudar os mais necessitados. Era uma história que precisava vir à tona”, diz Torres.
Em São Paulo, Antonieta Felmanas presidiu a Unibes (União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social) e foi uma das idealizadoras do Instituto Anchieta Grajaú, entidade sem fins lucrativos que atende cerca de 600 crianças e adolescentes da zona sul da capital paulista.
Segundo o cineasta italiano, “Taibale” é uma produção de baixo orçamento -foram gastos cerca de 20 mil euros, o equivalente a R$ 129 mil.
Não foi, porém, a limitação financeira que impediu a ida da equipe de Torres para Kazyany. “Justamente a área de Belarus onde viviam os parentes de Antonieta está agora fortemente militarizada, uma triste repetição dos acontecimentos de 80 anos atrás.”
Os desdobramentos trágicos do antissemitismo daquela época, um dos motes de “Taibale”, ecoa em um conflito da atualidade, a guerra entre Israel e o Hamas.
“A ferida de 7 de outubro [de 2023, quando terroristas do Hamas mataram 1.200 pessoas em Israel] para os judeus é dilacerante, difícil de cicatrizar. A situação evoluiu em Gaza de forma constrangedora para a humanidade. O fanatismo, de ambos os lados, está conduzindo a região para os piores pesadelos da história”, afirma o diretor.
De acordo com Torres, o documentário “segue exatamente na direção oposta, nos conduz ao amor, como ensina a própria protagonista. Uma menina deixada sozinha, passada de mão em mão, a família inteira exterminada pelos nazistas -poderia ter crescido no ódio e na revolta, mas não, ela se tornou uma das mulheres mais respeitadas da comunidade judaica do Brasil”.
O cineasta arremata: “A política e as ações do atual governo de Israel não nos representam”.
TAILABE
Quando quinta (dia 5), às 19h
Onde MIS – Museu da Imagem e do Som – av. Europa, 158, Jardim Europa, São Paulo
Preço entrada gratuita – retirada de ingressos com uma hora de antecedência na bilheteria do MIS
Classificação livre
Produção Itália, 2024, 72 min
Direção Gianni Torres