BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Banco Central estuda uma mudança de política que, se implementada, criará um colchão de capital para ser usado pelas instituições financeiras em momentos de crise, como os choques causados pela pandemia de Covid, por exemplo.

De acordo com o Comef (Comitê de Estabilidade Financeira), em ata divulgada nesta quarta-feira (4), a discussão está madura, e a decisão sobre a adoção da nova sistemática da política pode ocorrer em um futuro próximo -o colegiado volta a se reunir nos dias 19 e 20 de agosto.

O ACCPBrasil (Adicional Contracíclico de Capital Principal relativo ao Brasil) é uma parcela do capital a ser acumulada pelas instituições financeiras quando há expansão do ciclo de crédito e consumida no momento de contração do mercado, suavizando os efeitos das variações da economia.

Desde que o instrumento foi implementado no Brasil, em 2017, ele está mantido em 0%. O BC discute hoje a possibilidade de elevar de zero para um valor positivo a taxa neutra, ou seja, aquela que é aplicável quando não há acúmulo significativo de riscos financeiros (fase de expansão da economia) nem redução da oferta de crédito no país.

A medida não tem como foco a liquidez do mercado, mas a capacidade de alavancagem das instituições financeiras. A ideia é que, ao aumentar a exigência de capital, os bancos tenham recursos suficientes em momentos turbulentos, de retração da economia, para manter normalmente o fluxo de crédito, sem que ocorra uma desalavancagem repentina dos agentes econômicos.

“Essa liberação auxiliaria as instituições financeiras a absorver perdas oriundas de reversão aguda do ciclo de crédito ou de valorização excessiva dos preços dos ativos, ou ainda de eventos inesperados, mitigando assim impactos adversos na oferta de crédito”, afirmou o Comef no documento.

Ao estabelecer um valor positivo como taxa neutra, o colegiado do BC ganharia maior flexibilidade quando sentir necessidade de aumentar ou diminuir o chamado “buffer de capital contracíclico”, ou seja, a parcela de requerimento de capital adicional.

Em caso de elevação do ACCP, as instituições financeiras têm 12 meses para adequação. Na direção contrária, de redução, o capital é liberado imediatamente para ser utilizado.

O colegiado do BC disse que a medida vem sendo adotada por diversos países, com implementação gradual e aviso prévio. “Nas últimas reuniões, o Comef tem avaliado a experiência internacional na definição de um buffer positivo neutro e a considera positiva para a estabilidade financeira” afirmou o comitê em trecho da ata.

O Reino Unido é um dos exemplos internacionais que servem de referência para a análise do tema. Segundo estudo do BIS (Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais), publicado em novembro do ano passado, a taxa neutra positiva estabelecida pelos britânicos foi de 2%. O Banco da Inglaterra foi pioneiro na discussão, mas teve de rever o uso do instrumento em meio ao Brexit -saída da União Europeia.

No Brasil, a mudança vem sendo estudada pelo BC em um momento de resiliência da atividade econômica, com indicadores de emprego, renda e crédito bastante sólidos.

O PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil cresceu 1,4% no primeiro trimestre na comparação com os três meses anteriores, com impulso da agropecuária. Em abril, o mercado de trabalho formal brasileiro gerou 257,5 mil vagas, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

Na ata, o Comef observou que o ritmo de crescimento do crédito amplo (que engloba também o sistema não financeiro) segue historicamente elevado, apesar das condições financeiras mais restritivas, em um ambiente marcado por elevação de juros e alto endividamento de famílias e empresas.

Em maio, o Copom (Comitê de Política Monetária) elevou a taxa básica de juros a 14,75% ao ano -o maior patamar da Selic em quase duas décadas.

“Quanto às famílias, as modalidades de maior risco continuam crescendo em ritmo superior ao das modalidades de menor risco, observando-se ainda leve piora na qualidade das concessões de crédito consignado e de cartão de crédito”, afirmou o Comef.

“O comprometimento de renda e o endividamento das famílias permanecem elevados e em trajetória ascendente, especialmente entre as faixas de menor renda”, acrescentou.

Ainda de acordo com o colegiado do BC, o mercado de capitais continua crescendo em ritmo significativamente superior ao do crédito bancário, e o cenário requer “cautela e diligência adicionais”.

O Comef, contudo, ressaltou que, no primeiro trimestre, o crescimento do crédito apresentou leves sinais de desaceleração, tanto no sistema financeiro quanto no mercado de capitais, embora siga em ritmo elevado.