SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O venezuelano Pedro Urruchurtu, que ficou asilado por 412 dias na embaixada da Argentina em Caracas na companhia de outros quatro opositores do regime de Nicolás Maduro, descreve a fuga do grupo para os Estados Unidos como “muito complexa” e com “momentos muito difíceis”.

“A verdade é que fugimos debaixo dos seus narizes”, afirma Urruchurtu, principal articulador da política externa da líder opositora María Corina Machado, em entrevista à reportagem por videochamada.

“E eu quero lembrar aqui que estávamos provavelmente em um dos edifícios mais vigiados de toda a Caracas. Para eles, evidentemente, é um pouco incompreensível. Como é que com todo o aparato de segurança nós fugimos? Isso demonstra que o regime é derrotável.”

A operação na representação diplomática, que estava sob os cuidados do Brasil, foi realizada em maio e liderada pelo governo de Donald Trump. A narrativa diverge da versão dada pela ditadura chavista. O ministro do Interior, Diosdado Cabello, disse que a retirada de opositores foi resultado de uma negociação, embora não tenha entrado em detalhes.

“Se eles sustentam que houve negociação, que mostrem provas”, reforça Urruchurtu ao ser questionado sobre a posição do regime.

Magalli Meda, Pedro Urruchurtu, Claudia Macero, Humberto Villalobos, Omar González e Fernando Martínez Mottola se refugiaram na embaixada em março de 2024 durante uma escalada de prisões que antecedeu as eleições presidenciais de 28 de julho.

A autoridade eleitoral do país declarou Maduro vencedor a despeito de avalanche de denúncias de fraude, e o grupo foi acusado de conspiração. Em dezembro de 2024, Mottola apresentou-se às autoridades e foi posto em liberdade condicional, mas morreu dois meses depois devido a problemas de saúde.

Em entrevista à Folha de S.Paulo em janeiro, ainda dentro da embaixada, Urruchurtu descreveu a experiência como “terror permanente”. A rotina, segundo ele, era de cortes frequentes de água e de energia, e incluía a presença de franco-atiradores nas proximidades do local.

“Houve um dia que apareceram muitas viaturas, homens encapuzados segurando armas grandes. Eles cortaram a luz, soltaram drones e usaram aparelhos para cortar o sinal de telefone. Foi muito intenso.”

Urruchurtu afirma que o grupo já havia discutido anteriormente o plano de fuga e que estavam todos de acordo e cientes da operação. “Medo sempre houve, mas era mil vezes preferível assumir o risco de colocar a vida em perigo e escapar a continuar ali. Tínhamos o entendimento de que estávamos em uma situação de muita vulnerabilidade.”

“Nós, durante muitos meses, decidimos que era preciso resistir ao cerco. A decisão [de fugir] foi consciente. Foi difícil, houve muito o que pensar. A mente [humana] é muito gráfica com tudo o que pode acontecer. Sempre houve consciência do perigo e do risco. Mas tinha que ser feito”, acrescenta.

“Obviamente, não posso dar os detalhes porque cada informação pode colocar em risco alguém que possa ter ajudado nisso. O que posso dizer é que foi muito complexo e teve momentos muito difíceis, muito difíceis”, afirma. “Havia postos de controle que precisavam ser superados em cada fase. Foi uma operação complexa.”

Há pouco mais de um mês em solo americano, Urruchurtu diz que o grupo tenta se adaptar. Esse período, segundo ele, está sendo usado para “processar, entender e recarregar energias” para “voltar à arena”. Também por questões de segurança, ele não revela em qual cidade americana está —apenas que tem “se movido muito” pelo país.

“Os primeiros dias foram muito esmagadores. Estar em espaços abertos, rodeados de pessoas, depois de praticamente 14 meses sem ver ninguém. Foi como viver uma segunda pandemia em menos de cinco anos —só que pior, porque se saíssemos na rua éramos pegos”, descreve.

“Tem sido complexo nos adaptarmos à dinâmica, à nova vida. São muitas coisas para processar, para curar bem, desde o mental, o emocional e o físico. Estamos nesse processo, que é muito individual, e cada um tem o seu ritmo. O exílio é uma decisão complexa, difícil. É também uma forma de prisão.”

A embaixada argentina passou a ter a custódia do Brasil em 5 de agosto, quando a ditadura chavista expulsou de sua capital os diplomatas de Buenos Aires. Antes da fuga, o governo brasileiro insistiu para que o regime venezuelano desse salvo-conduto aos asilados e os deixasse sair do país. Brasília também ofertou enviar um avião para buscá-los, mas não obteve sucesso.

Urruchurtu diz acreditar que “a bandeira [do Brasil em frente à embaixada] teve um efeito inibidor de qualquer loucura do regime”, mas que faltou “mais pressão, mais determinação e mais posicionamento público, em particular do presidente Lula”.

“O Brasil fez o que podia fazer frente à sua posição que eu acredito ser ambígua em relação à Venezuela. Ao mesmo tempo em que mostra preocupação com a repressão, com os direitos humanos, não encara frontalmente Maduro sob a lógica de que é preciso manter relações em Caracas e com a embaixada”, avalia.

“O problema é que para um regime como o que enfrentamos na Venezuela, fazer o que se pode não é suficiente. Agora que já não estamos lá, qual é a razão para não ir além e não pressionar ainda mais?”, questiona.

O episódio, na visão do venezuelano, cria “um terrível precedente”. “Estamos falando de uma embaixada que se transformou em prisão, mas que também poderia ter se transformado em um local de massacre.”

No último dia 25 a população da Venezuela foi às urnas, e o chavismo voltou a assegurar o controle quase absoluto da Assembleia Nacional. A eleição legislativa foi marcada por repressão prévia e ausência de transparência e baixa participação, impulsionada por um movimento da oposição de boicote ao pleito.

Urruchurtu diz concordar com a estratégia e que o não comparecimento representa “força oculta muito poderosa”. “Acredito que os venezuelanos falaram com muita firmeza e aprenderam muito. Neste caso, perceberam que o melhor era não fazer nada. Se o resultado de julho [de 2024] não foi respeitado, qual o sentido de voltar a participar de um processo que o próprio regime controla?”, completa.