SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os Estados Unidos criticaram o ataque ucraniano a bases de bombardeiros russos no domingo (1º), sinalizando ver risco de escalada até nuclear por parte de Moscou.
A desaprovação foi expressa pelo enviado de Donald Trump para a Ucrânia, Keith Kellogg, e confirmada de forma prática pelo secretário de Defesa, Pete Hegseth, que se recusou participar da rotineira reunião de 57 países que dão apoio militar a Kiev é a primeira vez que um americano não estará presente.
Na noite de terça (3), Kellogg, que foi rebaixado do posto de negociador principal da guerra por ser visto por Moscou como muito próximo de Volodimir Zelenski, disse: “Estou te falando, os níveis de risco estão indo para o alto. Digo, com o que ocorreu no fim de semana”, afirmou à Fox News.
“As pessoas têm de entender no contexto de segurança nacional. Quando você ataca parte do sistema de sobrevivência nacional de seu oponente, que é sua tríade nuclear, isso significa que seu nível de risco sobe porque você não sabe o que o outro lado vai fazer. Você não tem certeza”, disse.
Tríade nuclear é o jargão para os três meios que grandes potências empregam suas armas atômicas: lançadas por aviões, submarinos ou do solo. No caso, Kellogg se referia aos bombardeiros Tu-95 atacados por Kiev, ao lado de modelos que não são mais usados para essa missão por Moscou, os Tu-22.
Um número incerto deles foi destruído no domingo. Kiev falou em 41, depois disse que destruídos foram 13, número que bate com a estimativa de 12 ouvida pela reportagem na Otan. Até aqui, imagens só permitem dizer que talvez quatro Tu-95 tenham sido obliterados, mas não se sabe quantos foram danificados.
A fala calculada de Kellogg revive o temor que permeou as ações dos EUA sob Joe Biden, que apoiava radicalmente a Ucrânia, ao contrário de Trump, que buscou aproximar-se de Vladimir Putin e reabriu as difíceis negociações entre Kiev e Moscou.
Ao longo da guerra, Biden evitava movimentos que provocassem o Kremlin, que desde o início do conflito em 24 de fevereiro de 2022 sacou a carta nuclear contra quem se opusesse a sua invasão. Isso foi sendo flexibilizado, culminando na autorização para ataques limitados com mísseis ocidentais dentro da Rússia, no fim de 2024.
Ato contínuo, na manhã desta quarta (4) Hegseth confirmou que não participará da reunião dos apoiadores de Kiev em Colônia, na Alemanha, embora tenha dito que estará em Bruxelas na quinta (5) para o encontro com seus pares na aliança militar Otan.
Segundo disse à reportagem uma pessoa próxima do Kremlin nesta quarta, a leitura do movimento americano é de acomodação. Esse observador em especial não acredita que Putin irá fazer algo mais radical, quanto mais nuclear, em retaliação, mas diz que os russos esperavam uma posição de distanciamento dos EUA do humilhante ataque às suas bases.
A situação ficou ainda mais tensa na terça, com o ataque com explosivos de Kiev à simbólica ponte da Crimeia e os rumores de ação contra uma base naval russa na península. Na Ucrânia, o dia foi de expectativa, com alerta de ataques balísticos com o novo míssil Orechnik, desenhado para guerras nucleares, que acabaram não ocorrendo.
Nesta quarta, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que a ação na ponte não deixou danos significativos. Ele reiterou que as negociações, que tiveram uma rodada na segunda (2) com troca oficial de termos de lado a lado, serão complexas.
O ataque do domingo teve impacto psicológico e potencialmente sobre algumas capacidade militares russas, mas não altera o modo com que a guerra é lutada por Putin: por atrito de infantaria e artilharia.
Com efeito, suas forças avançaram um pouco mais na região norte da Ucrânia, e já têm a capital regional de Sumi a cerca de 20 km de suas baterias.
COMPROMETIMENTO DE TRUMP DEPENDE DE GASTO, DIZ OTAN
Após anunciar que a Ucrânia seria novamente convidada para a reunião de cúpula do clube, no fim deste mês, o secretário-geral da aliança, o holandês Mark Rutte, afirmou que o comprometimento dos EUA com a Otan depende de seus outros 31 membros aumentarem seus gastos militares.
Na véspera, ele havia dito que seria necessário quintuplicar a capacidade de defesa aérea dos países do bloco.
É um discurso conhecido. A expectativa é de que a Otan estabeleça metas irrealistas de dispêndio na sua cúpula para responder à demanda de Trump, que vê os EUA excessivamente envolvidos na defesa da Europa. Rutte já sugeriu colocar a meta de gasto em 5% do PIB com defesa.
Hoje, o alvo é 2%, vistos como insuficientes. É um movimento em curso há uma década: quando Putin anexou a Crimeia em 2014, só 3 dos então 28 membros do time cumpriam os 2%, número que passou a 23 de 32 em 2024.
No ano passado, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres), a Rússia elevou em mais de 40% sua despesa militar, ultrapassando todo o gasto da Europa em termos reais. Os EUA seguem sozinhos como maior potência no setor, responsáveis por 39,4% de tudo o que o mundo emprega em defesa, ante 22,1% de seus parceiros de Otan.
Rutte não disse se Zelenski irá participar da cúpula em Haia, na Holanda, como já fez anteriormente. Sua preocupação com os EUA foi temperada nesta semana pelo anúncio de que Trump quer continuar com um general americano no posto do comandante-geral das forças da Otan, historicamente uma prerrogativa de Washington.