SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Atacada por Jair Bolsonaro (PL), a Lei da Ficha Limpa, que completa 15 anos, já barrou o principal adversário político do ex-presidente.
Na eleição de 2018, Lula (PT) foi declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) após ser condenado em segunda instância pelos crimes investigados na Operação Lava Jato. Ele ficou fora do pleito, e o vice da chapa e atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), concorreu em seu lugar.
A lei voltou ao debate público após Bolsonaro defender, em fevereiro deste ano, sua revogação e afirmar que a norma serviria apenas para “perseguir [a] direita”. O ex-presidente está inelegível após ser condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação pelo TSE em junho de 2023.
A Lei da Ficha Limpa teve como principal efeito na legislação brasileira o aumento do prazo de inelegibilidade de três para oito anos.
Para que um candidato seja enquadrado e, consequentemente, perca seus direitos políticos, ele deve ser condenado por um órgão colegiado nos crimes previstos no próprio texto legal ou se enquadrar nos outros requisitos trazidos pelo dispositivo.
Quando Lula foi barrado, a lei foi alvo de críticas da esquerda. O ex-ministro José Dirceu (PT) afirmou que era o eleitor quem deveria decidir se um candidato era elegível ou não. O PCO (Partido da Causa Operária) defendeu a revogação da Ficha Limpa nas redes sociais.
Em 2022, Lula também criticou a legislação, a qual chamou de bobagem, e defendeu que ela fosse rediscutida. “Você muitas vezes pune uma pessoa e, três meses depois, essa pessoa readquire o seu direito de ser candidata”, afirmou.
Os direitos políticos do petista foram devolvidos depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou sentença da Lava Jato proferida pelo ex-juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil-PR. A anulação tornou sem efeitos a condenação em segunda instância no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Tentativas de reforma
Após a condenação de Bolsonaro no TSE, dois projetos de lei que alteram a Ficha Limpa foram protocolados na Câmara.
O primeiro deles foi apresentado por Bibo Nunes (PL) em 4 de julho de 2023, quatro dias após o fim do julgamento que cassou os direitos políticos do ex-presidente. O projeto quer reduzir o tempo de inelegibilidade de oito para dois anos. Nunes argumenta que o prazo menor seria “mais do que suficiente para os fins que se almeja (sic)”.
Outro projeto, apresentado por Helio Lopes (PL) em 2025, tenta alterar a lei com base na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O deputado bolsonarista quer revisar o trecho sobre o crime de abuso de poder econômico e político, tornando obrigatória uma dupla condenação nas Justiças Eleitoral e comum. As duas mudanças beneficiariam Bolsonaro, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella e o ex-procurador da República Deltan Dallagnol.
Os dois projetos estão na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sem data para votação.
O início da contagem do prazo de oito anos de sanção também é objeto de tentativas de alteração. Um projeto de minirreforma eleitoral, apresentado pela deputada Dani Cunha (União Brasil), quer alterar os marcos iniciais de inelegibilidade. A proposta foi aprovada na Câmara e está parada no Senado.
As mudanças foram elogiadas por Gleisi Hoffmann, então presidente do PT e hoje ministra da Secretaria de Relações Institucionais, que chamou a reforma de “revisão crítica para não criminalizar a política”.
Lista **** Uma ação sobre o mesmo tema foi proposta pelo PDT em 2020. A corte não deu provimento por entender que o tema já foi declarado constitucional em uma ação de 2012.
O ministro Luís Roberto Barroso foi um dos que divergiu da maioria, argumentando ser “razoável que o tribunal verifique, ao longo do tempo, se ela [a lei] pode produzir resultados injustos ou incompatíveis com a Constituição”.
Outros casos
A Ficha Limpa já barrou outros nomes de destaque na política desde a sua sanção.
Expoente da Operação Lava Jato, Deltan teve sua candidatura a deputado federal invalidada após o TSE entender que ele antecipou sua exoneração do cargo de procurador da República para se livrar de 15 procedimentos disciplinares no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
A lei prevê a inelegibilidade de membros do Ministério Público que pediram “exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar”.
Nas eleições de 2022, o então candidato à presidência e ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) foi impedido de concorrer a presidente pelo TSE com base na Ficha Limpa. O histórico da inelegibilidade, entretanto, é mais antigo.
Delator do mensalão, ele foi condenado em 2013 sob acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo STF. Seu prazo de oito anos de inelegibilidade vigorou até 24 de dezembro de 2023.
O prazo se deve ao fato de que a pena do ex-deputado foi extinta após um indulto de Natal assinado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) em 23 de dezembro de 2015. A contagem do prazo de inelegibilidade passou a contar a partir daí.
Marcelo Crivella (Republicanos), ex-senador pelo Rio de Janeiro e ex-prefeito da capital do estado, é outro que está impedido de concorrer a cargos eletivos em razão da Ficha Limpa. Sua última condenação é de outubro de 2024, quando foi enquadrado pelo TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) por abuso de poder político e econômico durante as eleições municipais de 2020.
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que anunciou nesta terça-feira (3) ter deixado o Brasil, já estava automaticamente inelegível em razão de condenação pela Primeira Turma do STF pela acusação de falsidade ideológica e de invasão ao sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Ainda cabe recurso da decisão. A inelegibilidade, entretanto, é automática pela Lei da Ficha Limpa, e já passa a valer desde já.