SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A renúncia de Jânio Quadros quase levou o país a uma guerra civil”, diz a socióloga Maria Victoria Benevides na nova série documental “1961”, um painel em três episódios das turbulências políticas daquele ano no Brasil.
Não há exagero da autora de livros como “O Governo Jânio Quadros” e “O PTB e o Trabalhismo”. Os comentários de Benevides, aliás, são o fio condutor da produção, que tem apresentação em salas de cinema nesta terça-feira (3), em São Paulo, na quarta (4), em Porto Alegre. A partir de quinta, “1961” passa a ser exibida no Canal Brasil.
Em agosto de 1961, apenas sete meses após tomar posse, Jânio renunciou à Presidência. A Constituição indicava um só caminho -o vice, João Goulart, deveria assumir o cargo. Mas os ministros militares estavam dispostos a impedir a posse dele. Para os oficiais, Jango representava uma “ameaça comunista”, alegação usada com frequência pelos setores mais conservadores para justificar ações autoritárias ao longo da história republicana do Brasil.
No Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola comandou um movimento de resistência, amparado no que se chamou de “cadeia da legalidade”, uma rede de emissoras de rádio que transmitiam seus discursos.
Em mais de uma ocasião durante a campanha, o Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, esteve muito perto de ser atacado pelos militares.
“O ano de 1961 é o gatilho da crise de 1964, que definiu o destino do Brasil no final do século”, diz Amir Labaki, responsável pela direção e pelo roteiro da série. “1961 é o golpe que deu errado, mas serviu de estímulo para o golpe de 1964.”
Além de Benevides, estão entre os entrevistados nomes como Almino Affonso, que era deputado federal e se tornaria mais adiante ministro do Trabalho de Jango, e Rubens Ricupero, àquela altura assessor do Ministério das Relações Exteriores no Congresso Nacional.
“O encaminhamento para a renúncia decorre da absoluta confiança de Jânio de que voltaria [ao poder] nos braços do povo”, afirma a socióloga. A população, no entanto, não foi para a rua. Tampouco os presidentes do Senado, Auro de Moura Andrade, e da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, se empenharam para impedir a renúncia de Jânio.
Assim, o dilema passou a ser: Jango assume ou não a Presidência?
Do acervo histórico apresentado por “1961”, estão, por exemplo, boletins confidenciais da Central Intelligence Agency, a CIA. Mas talvez a peça mais contundente entre essas preciosidades seja o áudio do general Ernesto Geisel, chefe do gabinete militar interino durante a presidência provisória de Mazzilli.
Geisel, que se tornaria presidente em 1974, afirma com veemência que Jango não deveria assumir a Presidência, ainda que tivesse sido legitimamente eleito como vice de Jânio.
Ao final, houve uma solução intermediária. Com a mobilização liderada por Brizola e uma articulação no Congresso Nacional, o Brasil adotou o regime parlamentarista, com Jango como presidente e Tancredo Neves no posto de primeiro-ministro.
“A grande lição de 1961 para o Brasil de hoje é que é fundamental punir quem atenta contra a democracia, seja civil ou militar, seja famoso ou pouco conhecido. Naquele ano, ninguém que tentou vetar a posse do Jango foi processado e punido”, afirma Labaki. “Não punindo essas pessoas, foi engatilhada a quebra do regime democrático três anos depois”.
Diretor do festival de documentários É Tudo Verdade, que teve recentemente sua 30ª edição, Labaki faz em “1961” sua segunda incursão como cineasta em um projeto de longa duração. Em 2008, ele havia dirigido “27 Cenas sobre Jorgen Leth”, sobre o artista dinamarquês.
SÉRIE 1961
Onde Nos cinemas: episódio 1 na terça (dia 3) às 20h na Cinemateca Brasileira, em São Paulo; episódio 2 na quarta (dia 4) às 19h na Cinemateca Capitólio em Porto Alegre / na TV: estreia na quinta (dia 5) às 21h30 no Canal Brasil; demais episódios nos dias seguintes
Direção Amir Labaki