RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O conselheiro José Rontondano, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), defendeu na manhã desta terça-feira (3) a aplicação da pena de aposentadoria compulsória para o juiz federal Marcelo Bretas por sua condução da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.

O CNJ analisa os três PADs (processos administrativos disciplinares) que levaram ao afastamento temporário do magistrado em fevereiro de 2023. O conselho é composto por 15 membros, dos quais um declarou impedimento de analisar o caso.

Bretas afirmou que só se pronunciará após o fim do julgamento. Durante a sessão, a advogada do juiz, Ana Luiza Vogado de Oliveira, afirmou que ele deve ser absolvido.

“Choca um pouco a aplicação de uma pena tão grave como a aposentadoria compulsória. Apenar o magistrado com essa pena é praticamente julgar contra a prova dos autos”, disse ela.

O subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá defendeu a aplicação da pena de disponibilidade de 150 dias em razão de parte das acusações. Ele considerou que faltou cautela a Bretas em sua atuação. Apesar disso, criticou o uso dos processos disciplinares por antigos delatores e acusados da Operação Lava Jato.

“Tivemos investigações que geraram o desvendamento de atos de corrupção gravíssimos, a devolução ao erário de bilhões de reais, e não é possível que nós possamos reduzir tudo a determinados erros de juízes. […] Quando acontecem esses casos, todos querem punição, mas depois as narrativas vão sendo modificadas e réus confessos, colaboradores confessos, que pagam, que restituem dinheiro ao erário, terminam como vítimas, vítimas de suposta pressão, e defendidos por grandes e respeitáveis advogados”, afirmou o procurador.

As apurações disciplinares tratam de três temas: a suposta atuação conjunta de Bretas com o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, abuso de poder em ordens de busca e apreensão em escritórios de advocacia e interferência nas eleições do Rio de Janeiro de 2018 em favor do ex-governador Wilson Witzel.

Rontondano afirmou em seu voto que a atuação do magistrado “era sustentada por excessos, violação de direitos e garantias individuais, desde respeito ao devido processo legal e emprego de força devida e moderada do Estado na seara criminal”.

“Mostra-se relevante apresentar o cenário que se permeou à atuação do processado [Bretas] e o conjunto que acabou por evidenciar um magistrado obstinado a figurar como protagonista do sistema de Justiça”, afirmou o conselheiro.

Uma das investigações foi aberta para apurar informações do acordo de delação premiada de Nythalmar, que relatou supostos acordos feitos com o juiz antes do proferimento de sentenças com o envolvimento de procuradores. O início da atuação dele na vara de Bretas foi revelada pela Folha de S.Paulo, em maio de 2018.

Nythalmar procurou a PGR para firmar o acordo após ser alvo de busca e apreensão numa investigação do Ministério Público Federal sob suspeita de tráfico de influência e venda de prestígio na captação de clientes. O acordo, porém, acabou arquivado por falta de provas após decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região).

Rontondano afirmou que Bretas foi alertado por advogados sobre o fato de Nythalmar prometer soluções suspeitas a réus em processos sob sua responsabilidade. O conselheiro diz que o magistrado atribuía os relatos a queixas contra a “ascensão de um novo talento na advocacia”.

Uma das provas citadas pelo relator foi a suposta negociação de Nythalmar com Bretas e um procurador da força-tarefa fluminense sobre como a confissão do empresário Fernando Cavendish num interrogatório afetaria o acordo de delação ainda em debate.

Para o conselheiro, o caso indica o conluio entre o magistrado e o advogado para “forçar confissões e recuperar valores”.

“Além de reproduzir o já conhecido cenário em que o juiz e procuradores trabalhavam com firme espírito de colaboração, permitiu que o patrono compusesse esse time empenhado em romper o equilíbrio de forças que conduz o processo penal”, disse o relator.

Sá considerou não haver provas de conluio entre o magistrado e o advogado. Contudo, afirmou que Bretas não agiu ao ser advertido sobre a atuação de Nythalmar

“Ficou claro que o magistrado foi advertido e não tomou providências”, disse o procurador, que defendeu a pena de disponibilidade para este caso.

A defesa de Bretas classificou os relatos sobre a relação do magistrado como fofocas não comprovadas. Oliveira disse que os acusados que não contrataram Nythalmar não sofreram penas mais altas, como ameaçava o advogado, segundo testemunhas.

O subprocurador também defendeu a pena em razão da atuação de Bretas no interrogatório do ex-secretário municipal de Obras Alexandre Pinto, na qual ele cita um propina ao ex-prefeito Eduardo Paes (PSD), então candidato a governador.

Paes questiona o fato de o magistrado ter marcado de forma seguida, durante a campanha eleitoral de 2018, interrogatórios de seu ex-secretário. A quarta e última audiência foi realizada três dias antes do primeiro turno. Após três interrogatórios sem envolver Paes nos atos de corrupção, Pinto afirmou pela primeira vez que soube de acerto de propina por parte do prefeito, que nega a acusação.

Sá considerou que as audiências já estavam previamente marcadas antes das eleições, motivo pelo qual não viu intenção do magistrado em interferir no pleito. Porém, afirmou que faltou cautela a Bretas. “O magistrado se desviou de um principio do codigo de etica deste CNJ do dever de prudência.”

A advogada de Bretas disse que o magistrado não interferiu na fala de Pinto, à época um réu confesso. Afirmou também que cancelar a audiência, previamente marcada, poderia gerar questionamento de beneficiamento a Paes.

O procurador avaliou, por sua vez, que Bretas não poderia ser punido em razão dos mandados de busca e apreensão expedidos contra advogados no âmbito da Operação E$quema S, que apurou desvios na Fecomércio. As decisões foram anuladas em diferentes frentes. Sá considerou, porém, que, num primeiro momento, elas foram validadas por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).

Bretas se tornou responsável pela Lava Jato fluminense na primeira instância em 2015, atuando em processos envolvendo corrupção na Eletrobras.

Também assumiu as ações penais sobre o esquema de corrupção do ex-governador Sérgio Cabral, a quem mandou prender e condenou a mais de 400 anos de prisão em mais de 30 ações penais. Os desdobramentos da investigação levaram à prisão de uma série de empresários, como Eike Batista, e uma rede de mais de 50 doleiros.

Dentro da investigação sobre a estatal Eletronuclear, o magistrado também expediu em 2019 ordem determinando a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB), o que foi revertido posteriormente no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O juiz vem desde 2021 tendo sua atuação questionada em tribunais superiores. Diversos processos foram retirados de suas mãos por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) com o entendimento de que a conexão entre eles não é suficiente para mantê-los obrigatoriamente sob responsabilidade do magistrado.