BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A direção do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) usou um parecer alternativo para autorizar os testes da Petrobras na Foz do Amazonas e driblar a opinião dos técnicos do órgão, que haviam recomendado barrar a operação.

Esse teste é considerado o último entrave para que a Petrobras inicie o trabalho com a sonda que vai procurar petróleo na região.

Três pessoas que acompanham o assunto afirmaram à Folha de S.Paulo, sob condição de anonimato, que a contradição não desrespeita a burocracia interna do instituto, mas a tramitação foge do usual.

Em maio, o Ibama anunciou a “aprovação conceitual” do plano de proteção da fauna elaborado pela Petrobras, e o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, determinou a realização do teste chamado de APO (Avaliação Pré-Operacional) —uma simulação de vazamento e da resposta à emergência.

A íntegra da tramitação do processo, à qual a Folha de S.Paulo teve acesso, revela que para liberar os testes, Agostinho lançou mão de um novo parecer, assinado por dois técnicos.

Esse documento chega a citar o entendimento anterior do corpo técnico —que recomendou a rejeição do plano da Petrobras— mas conclui pela aprovação, em uma decisão classificada como “alternativa”.

Na prática, a recomendação inicial contrária (assinada por 29 técnicos) tramitou no órgão, mas, ao chegar no topo da hierarquia, foi mencionada para determinar o inverso: o aval para a operação, assinado por Agostinho.

Procurado, o Ibama afirmou que o processo corre em “absoluta segurança técnica e jurídica”.

“O plano, em seus aspectos teóricos e metodológicos, atendeu aos requisitos técnicos exigidos e está apto para a próxima etapa: a Avaliação Pré-Operacional (APO)”, disse, em nota.

Agora, a Petrobras pede ao Ibama que a simulação da operação no bloco 59 da bacia de Foz do Amazonas aconteça em julho, mas ainda não há uma data definida.

O instituto sofre grande pressão política, inclusive do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para liberação do empreendimento, que fica na região da cidade de Oiapoque, no Amapá.

Também defendem o projeto nomes como os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil), o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Este último, inclusive, conseguiu emplacar uma emenda ao projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil que pode acelerar empreendimentos como o de Foz do Amazonas.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o novo leilão de petróleo da região (marcado para o próximo dia 17) pode ser a última chance para o governo Lula ampliar a exploração na região —a depender do resultado da análise do Ibama sobre o caso da Petrobras.

O governo espera contar com a arrecadação do setor e, por isso, pressiona pela aprovação do projeto —servidores, por outro lado, criticam a pressão política sobre o licenciamento.

A ala ambiental do Executivo defende que a definição final será exclusivamente técnica, porém mais de uma vez a decisão do presidente do Ibama contrariou o corpo de especialistas do órgão, que desde 2023 recomenda o indeferimento e o arquivamento do pedido.

A Petrobras vem recorrendo e atualizando seus documentos para tentar conseguir a licença.

A Folha de S.Paulo revelou que, em outubro de 2024, técnicos do Ibama reiteraram a negativa após novo plano apresentado pela estatal, mas Agostinho resolveu dar continuidade ao processo.

Em fevereiro deste ano, o jornal O Globo noticiou que novamente a equipe recomendou a rejeição e o arquivamento.

Agostinho, como mostrou a revista Sumauma em maio, novamente contrariou sua equipe.

Na opinião dos técnicos, a Petrobras apresentou uma “reiterada recusa” em considerar impactos ambientais e exigências do órgão, e “opta por enaltecer a excelência do plano”, apesar dos “aspectos relevantes que seguem não atendidos pela empresa”.

A análise técnica do Ibama coloca em dúvida se esse plano é executável —pela inadequação das embarcações previstas, por subestimar as condições meteorológicas da região, ou por desconsiderar obstáculos logísticos para o salvamento de animais, dentre outros pontos.

O documento admite melhoras substanciais, mas é claro ao não aprovar o plano de proteção da fauna. “Logo, entende-se não ser viável o início do planejamento para realização da Avaliação Pré-Operacional”, conclui a recomendação.

Assinado em 26 de fevereiro, o “parecer técnico” negativo é o primeiro de cinco documentos internos do Ibama, aos quais a Folha de S.paulo teve acesso, até a decisão de autorizar a avaliação.

Em 5 de março, a posição dos técnicos é inicialmente referendada, e o processo fica então mais de dois meses parado.

A mudança acontece no final da tarde de 19 de maio, quando a diretoria de licenciamento do Ibama emite uma “manifestação técnica”, referente ao parecer de fevereiro, mas, ao invés de concordar com a rejeição do plano e inviabilidade da simulação, vai na direção inversa.

A direção entende que os técnicos não apontam “maiores questionamentos quanto ao dimensionamento da resposta e recursos envolvidos, mas sim dúvidas quanto à exequibilidade do plano proposto”.

Por isso, entende “como alternativa plausível” determinar a “aprovação conceitual” do plano de proteção, que havia sido rejeitado pelos técnicos.

E diz que é justamente a simulação, antes barrada, que pode proporcionar uma “adequada avaliação” sobre se a proposta da Petrobras é, ou não, executável, para só então ser dada a palavra final.

Cerca de dez minutos depois um novo despacho reitera este entendimento e, em menos de vinte minutos, o presidente do Ibama publica sua decisão.

São “absolutamente legítimas” as preocupações dos técnicos, diz, mas a “alternativa indicada” pela diretoria é o “instrumento adequado para avaliação da exequibilidade do Plano”.

Segundo especialistas em licenciamento ouvidos pela reportagem, é permitido aos superiores discordar das avaliações técnicas —que, afinal, são apenas recomendações.

A aprovação conceitual é estranha, dizem, e o procedimento de usar o próprio teste para aprovar o plano não é usual.

Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, a rejeição ao plano deveria automaticamente barrar os testes.

“Estamos diante da tentativa de justificar a continuidade de um empreendimento ambientalmente descartado por meio de simulação semântico-burocrática”, diz.

“Em outras palavras, trata-se de fazer o impedimento desaparecer por meio de ilusória mudança de foco. A avaliação ambiental, ao que parece, está migrando do plano técnico-científico para incongruente conveniência política”, conclui.