SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois dias depois do mais audacioso ataque de Kiev na Guerra da Ucrânia, forças de Volodimir Zelenski alvejaram pela terceira vez no conflito a ponte da Crimeia, símbolo da anexação da península por Vladimir Putin em 2014.
Além disso, os ucranianos deixaram ao menos 700 mil pessoas sem energia em duas regiões ocupadas pelos russos no sul do país, Kherson e Zaporíjia.
A ação na ponte ocorreu às 4h44 desta terça (3, 22h44 de segunda, 2, em Brasília) e envolveu 1.100 kg de explosivos subaquáticos, segundo postagem do Serviço Secreto da Ucrânia. Os danos foram pequenos à primeira vista, mas a agência diz que há comprometimento estrutural em um pilar.
O tráfego foi interrompido, mas retomado no fim do dia. Já o movimento de embarcações comerciais foi suspenso em torno de Sebastopol, a principal cidade crimeia, que fica do outro lado da península.
Em 2023, a ponte foi atacada duas vezes, e numa delas ficou bastante danificada. Ela é vital para o fornecimento de mantimentos e provisões militares às forças estacionadas na Crimeia, anexada como retaliação pela derrubada do governo pró-Moscou em Kiev.
Como a Folha de S.Paulo mostrou em novembro, a passagem pela obra desde então é cercada de cuidados. Passageiros de trens têm de ficar sentados com cortinas fechadas durante a travessia, para evitar chamar a atenção e também visando evitar alguma coordenação com os ucranianos.
Já o blecaute ocorreu após um ataque com drones nesta madrugada de terça (3), noite de segunda (2) no Brasil. Foi o maior apagão do gênero no conflito até aqui, e mais um sinal da escalada de lado a lado desde que os Estados Unidos forçaram a negociação entre os rivais.
Segundo a estatal russa de energia atômica, Rosatom, por ora não há risco para a usina nuclear de Zaporíjia, ocupada desde 2022 pelos russos. A planta, a maior da Europa, está sem produzir energia comercialmente, mas depende de eletricidade para a manutenção de 1 de seus 6 reatores ainda ligados.
A situação está sendo mantida estável com geradores, mas é complexa, segundo o presidente da empersa, Alexei Likhatchev, disse à agência RIA-Novosti. A usina é foco constante de temores de um acidente devido aos combates na região.
Kherson está ocupada pelos russos salvo uma faixa ao norte do rio Dniepr que inclui a capital homônima, assim como Zaporíjia. As duas regiões são menos russófonas do que o leste composto por Lugansk e Donetsk, foco da guerra civil de 2014 que está na origem da invasão de 2022, mas são vitais para Moscou.
Elas formam a ponte terrestre entre a Rússia continental e a preciosa península da Crimeia. Antes, a conexão era marítima ou pela vulnerável ponte rodoferroviária aberta em 2018.
As ações levaram ao temor da retaliação russa. A Ucrânia decretou e depois suspendeu alerta aéreo em todo o país devido ao risco de lançamento de mísseis Orechnik, a nova arma que Putin empregou uma vez contra o país em novembro. Trata-se se de um modelo balístico com múltiplas ogivas, desenhado para guerras nucleares, mas adaptado para o combate convencional.
ATAQUE RUSSO MATA DOIS
Na mão inversa, a Rússia matou ao menos duas pessoas em Sumi, capital da região homônima que está sob ataque no norte ucraniano. Zelenski chamou a ação de criminosa e voltou a pedir aos EUA novas sanções contra Moscou.
Sumi está sendo pressionada por o que parece ser o estágio inicial de uma ofensiva russa. Tropas de Vladimir Putin ocuparam nesta terça a cidadezinha de Andriivka, expandido sua base na região cuja faixa norte foi tomada ao longo da semana passada.
Não se sabe se Putin tentará ocupar a capital regional, algo com chances dúbias de sucesso, mas o estabelecimento de uma zona-tampão entre Sumi e a província russa de Kursk, que chegou a ter um pedaço ocupado por Zelenski de agosto de 2024 a março deste ano, é factível.
Além disso, os russos lançaram ao menos 112 drones contra os vizinhos, que disseram ter derrubado 75 deles. Houve ataques em várias regiões, como Odessa (sul) e Tchernihiv (norte). Nesta manhã, o porto de Mikolaiv (sul) foi alvejado com um míssil hipersônico Kinjal, provocando danos.
A arma, usada com parcimônia pelo alto custo, é disparada de caças MiG-31K. Foi uma tentativa de Moscou de mostrar que ainda pode infligir danos com sua aviação, dois dias depois do pior ataque contra sua frota da história moderna.
No domingo (1), Kiev lançou 117 drones de contêineres contrabandeados para o território russo e levados por caminhão a cinco bases aéreas. Em quatro delas, houve ataques, com sucesso em ao menos duas delas.
Não se sabe ainda o escopo real do ataque. A Ucrânia vendeu o número de 41 aviões atingidos e, depois, o reduziu para 13. Se for isso, de todo modo, significa 10% da frota de bombardeiros estratégicos russos, o foco da ação.
Questionado, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, apenas disse que “uma investigação está sendo feita” e que Putin passou o domingo sendo informado da crise.
NEGOCIAÇÕES SEGUEM
Ele também disse que as negociações da segunda em Istambul mostram a disposição de Moscou em buscar a paz.
No caso, nos termos russos, apresentados em um memorando maximalista que pede o que já se sabia, como cessão territorial e neutralidade militar, mas inclui itens como a realização de eleições na Ucrânia como condição para um tratado de paz.
Isso coloca pressão sobre Zelenski, cujo mandato acabou há um ano mas foi estendido devido à lei marcial no país. No plano russo, há opções draconianas para um cessar-fogo, o que permitiria o fim do estado de sítio e a realização do pleito em até cem dias. Na prática, Moscou quer ver o presidente fora do jogo.
Kiev descarta isso, exigindo um cessar-fogo sem condições e uma reunião entre Zelenski e Putin, talvez com Trump presente. O americano se disse aberto à ideia, mas Peskov a considera impraticável agora.
Enquanto isso se desenrola, a delegação ucraniana que negociou com russos na Turquia rumou aos EUA para encontrar-se com senadores que defendem uma nova rodada de sanções.
Trump, por sua vez, manteve-se em silêncio até aqui sobre o ataque de domingo, gerando apreensão nos meios políticos russos, que especulam se os EUA aprovaram ou auxiliaram Kiev. Isso pode determinar o escopo da eventual retaliação russa, se ela vier.