SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A previsão do tempo apontava para a possibilidade de chuva forte em um fim de tarde do verão deste ano na região metropolitana de São Paulo, como normalmente acontece. Mas naquele dia a tempestade chegou algumas horas antes e pegou o setor de aviação de surpresa. Só uma das companhias que operam na malha aérea nacional teve 16 voos alterados e que, por isso, não puderam pousar nos aeroportos de Congonhas e Guarulhos, desviando a rota para outras cidades.
Para tentar evitar surpresas como essa, cada vez mais comuns por causa de mudanças climáticas, empresas aéreas brasileiras têm investido em análise própria de meteorologia para refinar as informações dos serviços tradicionais, principalmente quando elas falham a prática ocorre nas grandes companhias mundiais.
No Brasil, o Cimaer (Centro Integrado de Meteorologia Aeronáutica), órgão ligado ao Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), é responsável pela previsão e vigilância meteorológica usada na aviação. É esse serviço que orienta companhias aéreas, aeroportos e comandantes de aviões.
O Decea, órgão da FAB (Força Aérea Brasileira), divulga mensagens meteorológicas de previsão e observação no site da Redemet (Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica). Há convênios com órgãos como Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais) para compartilhamento de dados de diversos sensores meteorológicos.
Mas é pouco. Companhias aéreas têm investido em profissionais para melhorar essas informações. A Azul, por exemplo, afirma manter uma célula de meteorologia dedicada ao assunto e que trabalha horas 24 horas por dia desde 2020 em seu CCO (centro de controle de operações) em Barueri, na Grande São Paulo.
A Latam mantém meteorologista próprio desde 2021 em Santiago, no Chile. A Gol contratou uma especialista em fevereiro passado, pouco depois de transferir seu centro de controle de operações para a nova sede na Granja Julieta, na zona sul paulistana. O investimento ocorreu, principalmente, pelos reflexos das mudanças climáticas.
É com a ajuda das análises da meteorologista Daniela Freitas, 30, que se define, por exemplo, se um avião da Gol sai com mais combustível para aguardar no ar o fim da chuva prevista no aeroporto de destino e evitar que o voo tenha de ser desviado para outro lugar esse é um dos maiores temores de uma companhia pelos problemas em cadeia que podem ser provocados.
“A chegada [da meteorologista] é importante para começarmos a verificar essas mudanças de comportamento [do clima]”, diz Eduardo Calderon, 64, diretor do CCO da companhia.
Essa nova realidade ambiental, segundo a Iata (Associação do Transporte Aéreo Internacional), está impactando significativamente o planejamento e as operações das empresas.
“O intuito é ser mais assertivo. Quanto mais refinada for a informação da previsão, melhor para a empresa”, diz Freitas. Os dados passados por ela abasteceram o planejamento dos quase 700 voos da Gol que decolaram no último dia 12, quando ela falou com a reportagem na sede a empresa.
Para a Azul, as contínuas mudanças climáticas demonstram a necessidade de investimento em recursos de previsão e monitoramento, seja em softwares ou em profissionais, conforme diz Bianca Penelas, diretora do CCO da empresa. Também é necessário treinamento, afirma.
“Como a meteorologia é uma ciência inexata, uma malha do tamanho da Azul [aproximadamente 900 voos por dia] requer além de planejamento, monitoramento contínuo das condições meteorológicas, para definir por mudanças de rotas, atrasos ou ainda cancelamentos de voos.”
E não é só ma forma de planejar as operações que as alterações do clima estão mexendo. O impacto de fenômenos climáticos mais frequentes e intensos, incluindo tempestades torrenciais, inundações e ondas de calor, podem provocar danos em aeroportos e nos próprios aviões.
Temperaturas extremas, afirma a Iata, associação que inclui empresas do mundo inteiro, podem causar deterioração substancial das superfícies das pistas, aumentar a possibilidade de turbulência em voo e afetar a eficiência do combustível.
“Os efeitos em cascata desses eventos climáticos criam desafios que vão além do simples inconveniente, destacando a vulnerabilidade do transporte aéreo diante de um clima em mudança”, diz.
Diante da maior frequência desses eventos extremos, a Aeronáutica cita a adoção de ações como a expansão da rede de sensores meteorológicos e diz que o Decea tem buscado adaptar práticas internacionais à realidade brasileira. Isso inclui a prática de medidas sustentáveis, como otimização de rotas aéreas, redução do tempo de voo e diminuição do consumo de combustível.
Com um olho no céu, a partir da sala envidraçada do CCO da Gol, e outro em um grande monitor com mapa meteorológico, Daniela Freitas já mira como deverá ficar o tempo nas próximas férias de inverno, para a companhia antecipar planejamento de rotas.
“As empresas têm percebido que é importante contar com um profissional com esse escopo técnico internamente para tomar decisões”, diz a meteorologista.



