SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O professor Luiz Rosa, do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ficou surpreso ao participar da primeira expedição oficial do Brasil ao Ártico em 2023: a região era mais quente do que esperava.

Os pesquisadores da expedição foram ao arquipélago de Svalbard, na Noruega. Luiz diz ter notado “muita vegetação, pouca neve e gelo”. Clima e Ártico estão relacionados de forma intrínseca. O gelo do oceano Ártico reflete a luz vinda do Sol e reduz a energia absorvida pelo mar.

Quando o gelo derreter, o que é dado como certo pelos pesquisadores, a tendência é um agravamento das mudanças climáticas. E a humanidade ainda precisa entender os impactos disso.

Enquanto isso, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, tem negado a existência das mudanças climáticas. A postura do mandatário preocupa cientistas sobre o futuro da pesquisa internacional na região.

Trump tem cortado funcionários da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês). Em fevereiro, cerca de 800 funcionários em período probatório foram demitidos da NOAA, segundo a Reuters, em um contexto de redução da força de trabalho de órgãos do governo. Eles foram recontratados em março e voltaram a ser desligados em abril, após uma decisão judicial abrir caminho para os cortes. A agência realiza diversas atividades no Ártico, o que engloba monitoramento das mudanças na região

Em maio, o Centro de Dados Nacional para Neve e Gelo (NSIDC) dos EUA anunciou que não conseguiria mais manter de forma ativa e atualizada alguns de seus dados, como o Sea Ice Index e a Coleção de Fotografias de Geleiras. Segundo o NSIDC, há “limitações orçamentárias”. O Sea Ice Index traz informações sobre as mudanças no mar de gelo do Ártico e da Antártida que começaram em 1978.

De acordo com o professor de glaciologia e geografia polar Jefferson Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o cenário dos EUA é de “destruição total” da pesquisa relacionada ao clima.

O glaciólogo destaca que os EUA sempre foram um líder no monitoramento de gelo a partir de satélites e sensoriamento remoto. Os americanos também foram pioneiros na pesquisa sobre as mudanças climáticas na década de 1970.

Existe um temor entre cientistas de que bancos de dados dos Estados Unidos relacionados ao clima e ao Ártico e acessados por pesquisadores do mundo todo deixem de ser disponibilizados. “Os EUA têm essa questão de ‘soft power’, porque eles detêm os dados, armazenam e dão acesso a eles para as pessoas trabalharem”, explica Simões.

Ana Flávia Barros-Platiau, professora de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), destaca que a integração entre diversos países para o fazer científico é essencial, principalmente, em um mundo globalizado.

“Todo mundo trabalha em rede. Então, a gente conversa com pessoas de países diferentes. Nos maiores laboratórios do mundo, você vai encontrar facilmente cinco ou dez nacionalidades diferentes”, diz.

Além dos cortes na pesquisa no Ártico, Trump tem falado em anexar o Canadá e a Groenlândia, que detêm território no círculo polar ártico e fazem parte do Conselho do Ártico, um órgão intergovernamental para cooperação na área. Na visão da professora da UnB, apesar de as ameaças não terem resultado em uma ruptura na área da ciência, deixaram uma mágoa e têm causado indignação nos países ameaçados.

A integração para pesquisa no Ártico vive um cenário difícil desde 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Isso isolou Moscou, em especial, no Conselho do Ártico e na Europa.

Alguns países cortaram colaboração científica e fundos de pesquisa que tinham atividades com envolvimento da Rússia. Moscou, no entanto, possui grande parte do território ártico. Seu litoral representa 53% da linha costeira do oceano Ártico. Não ter acesso ao território russo para pesquisa significa perder boa parte dos dados sobre a região.

Luis Rosa, da UFMG, lembra que, ao participarem da expedição para o Ártico, os cientistas não puderam coletar material em determinada área em Svalbard, por ter um assentamento russo. Ele diz que a equipe está evitando voltar ao arquipélago em razão do conflito.

Diante de seu isolamento, a Rússia encontrou um grande aliado na China em relação ao Ártico. Enquanto Pequim tem recursos e disposição para investir em pesquisa, a Rússia traz à mesa expertise na região e quebra-gelos, navios que podem navegar em mares congelados.

Na avaliação de Jefferson Simões, o atual posicionamento do governo americano em relação ao Ártico e ao clima abre espaço para que novas lideranças surjam, seja na Europa ou mesmo entre os Brics.

A professora Ana Flávia avalia que a China, provavelmente, tem a maior capacidade de desafiar a liderança técnica e científica dos Estados Unidos. Porém, no campo político, Pequim enfrenta como obstáculo a desconfiança da Europa. O continente torce o nariz para o modelo político chinês e olha com suspeita o seu veloz crescimento econômico.