RIO DE JANEIRO, RJ, E BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – No último dia 20 de abril, o navio de bandeira portuguesa Jane chegou ao porto de Santos após uma viagem de 27 dias. Ele vinha do porto de Primorsk, na Rússia, com uma carga de diesel importado daquele país.
No mesmo período, o navio de bandeira grega Akrisios percorria o sentido contrário: deixou o porto de Guamaré, no Rio Grande do Norte, no dia 29 de abril e chegou a Primorsk no dia 22 de maio. Também veio ao Brasil trazer diesel.
Não foram os únicos. Dados compilados pelo setor indicam que ao menos 17 navios vindos de portos exportadores de diesel da Rússia aportaram no país no período de um mês após o endurecimento das sanções internacionais contra o comércio internacional com aquele país.
O movimento preocupa distribuidoras tradicionais de combustíveis, que apontam concorrência desleal por empresas que estariam burlando as sanções. Os compradores, por outro lado, defendem que as importações não ferem as leis brasileiras.
No mesmo dia em que o navio Jane aportou em Santos, a União Europeia anunciava o 17º pacote de sanções contra a Rússia, apertando o cerco contra a chamada “shadow fleet”, a frota fantasma que transporta o petróleo russo driblando restrições.
Nenhum dos navios que chegou a país no último mês integram a lista de sancionados, mas os produtores do combustível estão nela. Parlamentares europeus e norte-americanos pregam o endurecimento das sanções, incluindo a aplicação de tarifas comerciais a países que sigam comprando petróleo e derivados russos.
Projeto do senador americano Lindsey Graham é o mais radical nesse sentido, prevendo tarifa de importação de 500% sobre produtos das nações que comercializam com a Rússia. “O jogo que Putin tem jogado está prestes a mudar. Ele será duramente atingido pelos Estados Unidos, no que diz respeito às sanções”, declarou o republicano da Carolina do Sul em visita a Kiev nesta sexta-feira (30).
Em carta ao Wall Street Journal, na terça (27), Graham escreveu que “as consequências dessa invasão bárbara devem ser tornadas reais para aqueles que a apoiam”. “Se a China ou a Índia deixassem de comprar petróleo barato, a máquina de guerra do Sr. Putin ficaria paralisada”, completou, citando os principais compradores do produto russo no momento.
Representantes da UE, que já prepara o 18º pacote de sanções, negociam diretamente com o Congresso americano, já que a administração Donald Trump se mostra reticente até em manter as sanções atuais.
Graham diz ter apoio de 82 senadores, o que em tese deixaria a iniciativa à prova de um eventual veto do presidente. Haveria maioria para aprovação também na Câmara, já que o tema é um dos poucos que não dividem democratas e republicanos. Nesta segunda (2), o congressista teve um encontro com Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.
“Pressão funciona, e o Kremlin não entende outra coisa”, afirmou porta-voz de seu gabinete em Bruxelas. Segundo a UE, Graham pretende apresentar o projeto até a próxima semana.
A Europa também trabalha o argumento de que a frota usada pela Rússia traz grandes riscos ambientais e de segurança. O rota de Primorsk, por exemplo, passa pelo mar Báltico, próximo a águas e fronteiras de países do bloco e da Otan.
Análise do Bundeswehr, as Forças Armadas alemãs, mostra que mais de mil navios fizeram o trajeto em 2023 e que, no ano seguinte, metade da produção russa escoou pelo local. É um trecho de pouca profundidade, notadamente entre Suécia e Dinamarca, em que os acidentes não são incomuns.
Somado ao fato de que os petroleiros usados pelos transportadores são em geral antigos, de pouca manutenção e com seguro aquém do valor da carga, o risco de acidentes é elevado. Aumenta a percepção a prática de alguns navios, que, receosos de serem flagrados, manipulam seus GNSS, sigla em inglês para Sistema Global de Navegação por Satélites, que permite o rastreio das embarcações.
Um dos importadores ouvidos pela Folha, a distribuidora Atem, diz que “conduz suas operações de importação em plena conformidade com a legislação aplicável, incluindo as sanções eventualmente aplicadas por organismos internacionais multilaterais e devidamente incorporadas e reconhecidas no ordenamento jurídico nacional”.
“Essas empresas não têm sanção no Brasil, mas na Europa, no Reino Unido e nos Estados Unidos”, reforça Ramon Reis, CEO da Nimofast, uma importadora privada brasileira. “Enquanto estivermos seguindo a lei brasileira, a regra brasileira, não temos nada a ver com o que estão fazendo por lá.”
Sua empresa traz ao país cerca de 200 milhões de litros por mês, não só da Rússia, mas majoritariamente de lá. Reis alega que as sanções levaram a Europa a buscar diesel nos Estados Unidos, reduzindo a oferta daquele país para outros mercados.
“Não tem diesel competitivo para o Brasil. Tem que comprar onde tiver a melhor arbitragem. Rússia, Nigéria, Índia, Oriente Médio; compro de todos esses países”, afirma ele, confirmando que o combustível russo é mais vantajoso.
Argumento semelhante tem a Atem, que diz atuar buscando “as melhores alternativas comerciais para assegurar o abastecimento de combustíveis a preços acessíveis na Região Norte, cujas particularidades logísticas impõem desafios relevantes e distintos do restante do país”.
É essa vantagem competitiva que preocupa as grandes distribuidoras de combustíveis. Elas alegam que o diesel russo chega hoje ao país com desconto de até R$ 0,10 por litro em relação ao americano, o que reduziria a competitividade de quem não compra na Rússia.
As empresas não falam publicamente sobre o assunto, mas entendem que trata-se de mais uma ameaça a um mercado que já vem sendo afetado por uma fraude que ganhou corpo nos últimos anos, a venda de diesel sem o percentual obrigatório de biodiesel.