SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio a intensos ataques aéreos de lado a lado, Rússia e Ucrânia concluíram sem grandes avanços a segunda rodada de negociações diretas para tentar acabar o conflito iniciado por Moscou em 2022.
As conversas em Istambul ocorreram nesta segunda (2) em Istambul, e duraram pouco mais de uma hora. Segundo o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, ficou acertada mais uma troca de prisioneiros de guerra, como havia ocorrido no encontro passado, em 16 de maio.
A prioridade, disseram os negociadores dos dois lados, serão jovens e feridos. A expectativa é a libertação, como na vez anterior, de ao menos mil presos.
Zelenski disse também, numa reunião na Lituânia, que seus negociadores forneceram uma lista de 339 crianças que querem ver repatriadas pelos russos. Uma nova conversa poderá ocorrer ainda neste mês.
Moscou apresentou um memorando com suas demandas visando a paz, mas o ministro ucraniano Rustem Umerov (Defesa) disse que não iria comentá-las antes de estudar seus termos.
Também não houve o cessar-fogo pretendido pelos ucranianos, de ao menos 30 dias. Segundo o negociador-chefe russo, Vladimir Medinski, a Rússia propôs tréguas pontuais de dois a três dias em alguns pontos da linha de frente, sem sucesso.
Comprovando a intenção de mostrar força ambos os rivais promoveram novos ataques aéreos nesta madrugada de segunda. Segundo o Ministério da Defesa russo, 162 drones foram abatidos, a maior parte em Kursk e Belgorodo, junto à fronteira. Já a mesma pasta ucraniana afirmou que os rivais lançaram 80 drones e quatro mísseis balísticos, que atingiram 12 alvos diferentes.
Na véspera, Kiev havia lançado seu mais audacioso ataque no conflito, atacando cinco bases aéreas russas com drones que levantaram voo de caminhões infiltrados no território rival. Seu serviço secreto disse ter mirado 41 bombardeiros usados contra a Ucrânia, e o governo disse ter destruído ao menos 13.
Já as forças de Vladimir Putin enviaram quase 500 drones contra o vizinho, número recorde no conflito. Além disso, os russos têm avançado no norte do país, uma nova frente na guerra: segundo o Instituto para o Estudo da Guerra (EUA), Moscou tomou 507 km2 no mês passado, ante 379 km2 em abril e 240 km2 no mês anterior.
As expectativas para o encontro na Turquia, que já sediou a primeira rodada de conversas desde 2022 em meados de maio, eram baixas. Como é usual em negociações em que nenhum dos lados é vencido ou derrotado completamente, o tom é de impasse.
As reuniões são obra da mudança de posição dos Estados Unidos sob Donald Trump. O republicano suspendeu o apoio incondicional a Kiev e abriu um canal de conversa com Putin. O processo está longe de se perfeito, e o americano já se questionou publicamente se não está sendo enrolado pelo russo.
Mas até aqui o ritmo tem sido ditado pelo Kremlin: os ucranianos queriam ver um memorando com os termos russos para a paz escrito antes da reunião no opulento Palácio Çiragan, uma joia otomana às margens do estreito do Bósforo que hoje funciona como hotel de luxo.
Os russos bateram o pé e o presidente Volodimir Zelenski ficou sem opção, enviando seu vice-ministro da Relações Exteriores para chefiar a delegação. Do lado russo está o mesmo mediador das conversas fracassadas de 2022, o ex-ministro da Cultura Medinski.
Segundo minuta das demandas da Ucrânia a que a Folha de S.Paulo teve acesso, Kiev quer primeiro um cessar-fogo incondicional e imediatas garantias de segurança, como uma força de paz estrangeira, para daí negociar pontos específicos.
O texto fala em troca de prisioneiros e volta das crianças, como forma de construir confiança mútua, mas descarta a neutralidade exigida por Moscou embora fale em adesão à União Europeia, lembrando que a entrada no clube militar da Otan depende de um consenso inexistente na aliança.
O texto também rejeita legitimidade das conquistas territoriais russas, incluindo a anexação da Crimeia em 2014, mas diz que discussões sobre o tema podem ocorrer após o cessar-fogo.
Por fim, a minuta pede uma conversa direta entre Zelenski e Putin, por ora rejeitada pelos russos. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que vai “tomar os passos necessários” para trazer os rivais à mesa em seu país.
O Kremlin diz que primeiro é preciso tratar das causas do conflito, na sua visão a necessidade de neutralidade militar da Ucrânia e a retirada do país das quatro áreas que os russos anexaram ilegalmente em 2022 e não controlam de forma integral. Que Zelenski terá de engolir perda territorial, isso é certo e já foi inclusive dito por Trump.