PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – As pesquisas de intenção de voto colocam o oposicionista Lee Jae-myung cerca de dez pontos à frente do situacionista Kim Moon-soo, na eleição presidencial da Coreia do Sul, que ocorre nesta terça (3).
“Há um favorito claro: Lee, do Partido Democrático”, diz David Tizzard, britânico há duas décadas no país, onde é professor de Estudos Coreanos da Universidade Hanyang. Pelas projeções, “ele cruza facilmente a linha de chegada na frente”, afirma.
Uma medida de suas chances está em duas decisões da semana que precedeu a votação. Uma delas é da China, o principal parceiro comercial do país e ao qual Lee se mostra mais aberto, apesar das pontes que lançou em direção aos Estados Unidos e ao Japão durante a campanha.
A Tencent, maior plataforma chinesa de streaming de música, comprou parte da SM, gigante do k-pop, a indústria musical sul-coreana. O negócio sinaliza que Pequim, após dez anos, vai retirar o veto ao gênero no mercado consumidor chinês.
A segunda decisão foi de Washington, o maior parceiro militar, divulgada na imprensa sul-coreana com alarde na última sexta: a retirada de uma unidade de mísseis e de cerca de 500 soldados americanos do território asiático aliado. O Wall Street Journal havia publicado dias antes que o governo Donald Trump prepara a transferência de 4.500 soldados da Coreia do Sul para Guam, no oceano Pacífico, e outras bases americanas.
Confirmando o afastamento entre os dois países diante da projetada eleição de Lee, o secretário de Defesa americano, Pete Hegseth, evitou colocar a Coreia do Sul entre seus parceiros contra a China na região, em discurso no sábado, em Singapura. Listou Japão, Filipinas, Austrália, Tailândia e Índia.
“Lee Jae-myung é mais simpático à China, mais pragmático, menos ideológico, portanto, as relações com Pequim devem melhorar”, diz Tizzard, também colunista do jornal Korea Times. Isso contrasta com a “narrativa antichinesa, anticomunista, mais focada na relação trilateral com Washington e Tóquio”, do Partido do Poder do Povo, de Kim Moon-soo.
Em Pequim, analistas como Victor Gao, vice-presidente do think tank Centro para China e Globalização, veem esperança para a região, numa eventual vitória de Lee. “Ele é muito maduro, analisa as questões, sejam os problemas internos ou geopolíticos, a relação com os EUA, a China, o Japão, a Rússia e assim por diante”, diz. “Ele pode encontrar um certo equilíbrio entre eles.”
Na reta final da campanha, em publicações de mídia social e uma entrevista à revista americana Time, Lee elogiou Trump e a relação militar com os EUA, reforçando uma postura moderada em meio a críticas dos adversários de que seria um representante comunista.
Seu favoritismo levou Kim e outro candidato conservador, Lee Jun-seok, do Partido Reformista, a uma tentativa na última semana de unir os dois grupos, sem sucesso. As duas legendas se voltaram então a ataques ao filho de Lee Jae-myung, por suposto vício em jogo, suspeita de fraude tributária e até declarações sexistas. Seria uma “família criminosa”.
Lee enfrenta processos de corrupção e outros desde pelo menos a última campanha presidencial, que perdeu por 0,76 ponto percentual para Yoon Suk-yeol, um ex-procurador eleito pelo PPP. Parecia ter poucas chances de se recuperar até que, seis meses atrás, Yoon decretou lei marcial e suspendeu a Assembleia Nacional, onde seu governo era minoritário.
Lee e o Partido Democrático, em transmissão ao vivo pela internet, comandaram a reação na longa madrugada que se seguiu, com mobilização popular e a derrubada da lei, culminando dez dias depois no impeachment de Yoon confirmado em abril pela corte constitucional.
A eleição presidencial foi convocada dois anos antes do previsto, tendo como tema central a tentativa de autogolpe de Yoon. Outro foco da campanha foram as tarifas impostas pelos EUA aos produtos do país, apesar de a Coreia do Sul adotar tarifa zero sobre os produtos americanos.
Ex-operário de fábrica com trajetória inicialmente semelhante à do presidente brasileiro, Lula Inácio Lula da Silva, inclusive com sequelas físicas por acidente de trabalho com uma prensa, Lee depois conseguiu bolsa para estudar, formando-se advogado. Atuou em questões sociais por duas décadas, até entrar no partido hoje chamado de Democrático. Foi prefeito, governador e está em seu segundo mandato parlamentar.
Em janeiro do ano passado, num momento em que conversava com jornalistas, Lee sofreu uma tentativa de assassinato a faca, que atingiu seu pescoço e exigiu longa cirurgia. Desde então, anda cercado por seguranças e vestindo colete à prova de balas.
Em dezembro, durante a madrugada de defesa da Assembleia, ele atravessou o cerco de policiais e soldados para, junto com os manifestantes, saltar a cerca e garantir a votação contra a lei marcial.
Para além do eventual vencedor, segundo o analista David Tizzard, o pleito de terça é importante para o país se reafirmar democrático após o susto com a lei marcial. “Eles ficaram muito envergonhados”, diz.
“Sentiram que sua reputação internacional havia sido manchada, algo que passaram décadas tentando mudar. Vendo a forte participação na votação prévia, eles estão mostrando ao mundo e a si mesmos que confiam no sistema democrático.”
No sistema sul-coreano, é possível votar antes do dia da eleição. Até o início da noite de sexta, quando terminou o pleito adiantado, 35% dos eleitores já haviam registrado seus votos.
Nas províncias historicamente mais próximas do partido de Lee, como Jeolla e Gwangju, mais de 50% votaram antes da hora. Naquelas mais próximas do PPP, como Daegu, a proporção ficou pouco acima de 20%.