SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As taxas prefixadas dos títulos do Tesouro IPCA+ têm recuado nas últimas semanas. Desde o pico no final de março, quando contratos previam ganhos reais em torno de 8%, os rendimentos desses papéis indexados à inflação têm rondado a casa dos 7% e, em alguns momentos, até abaixo disso.
Na quarta-feira (28), por exemplo, o título com prazo para 2029 ofertava a variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial da inflação do país, mais uma taxa prefixada de 7,35%. Os com vencimentos mais longos, de 2040 e 2050, rodavam a 6,94% e 6,86%, respectivamente.
Na prática, esse tipo de papel público prevê a proteção do dinheiro do investidor contra as flutuações da inflação, com um ganho real determinado já no momento da compra. Isso significa que, em 2029, por exemplo, os aportes serão corrigidos pelo IPCA mais uma taxa de 7,38% para quem contratou a operação nessas condições.
Essa taxa real é também considerada uma espécie de prêmio de risco. Ou seja, quanto maior ela está, mais o mercado está exigindo de retorno para dar o voto de confiança de que a dívida representada pelo título público será paga.
Em momentos de estresse econômico como no final de março deste ano, às vésperas do tarifaço do presidente norte-americano Donald Trump, e novembro de 2024, época marcada pela crise fiscal, é comum que essas taxas subam. E, em momentos de relativa estabilização, elas tendem a recuar.
“Vejo esse movimento como uma reprecificação”, diz Rafael Winalda, especialista em renda fixa do Inter. “Antes os juros estavam estressados e voláteis, e as incertezas estavam muito elevadas no Brasil e no resto do mundo.”
O cenário externo é responsável, em parte, pela guinada na percepção do mercado, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Os últimos picos das taxas prefixadas do IPCA+ de curto prazo foram atingidos entre o final de março e o início de abril, quando Trump anunciou e depois recuou o choque tarifário contra parceiros comerciais dos Estados Unidos.
A política errática do republicano inspirou pânico nos mercados, e bancos como JP Morgan e Goldman Sachs passaram a prever chances cada vez maiores de uma desaceleração da economia global desencadeada por uma recessão nos Estados Unidos. Índices em Wall Street tiveram sessões sangrentas, com cerca de US$ 6 trilhões (R$ 34 trilhões) em valor de mercado sendo retirados das Bolsas do país em questão de dias. O dólar perdeu valor ante algumas das moedas mais fortes do mundo, e títulos do Tesouro dos EUA tiveram seu status de porto-seguro global de investimentos ameaçado.
Como a origem do estresse estava justamente no mercado para o qual se costuma fugir em momentos de estresse, a lógica predominante se inverteu. Uma parcela dos investidores diminuiu a exposição a ativos dos Estados Unidos e optou por alocar em mercados como o brasileiro, mirando estratégias de diversificação e mitigação de riscos.
“A incerteza ficou tão elevada que os operadores começaram a olhar para fora. Isso ajudou a nossa Bolsa e a nossa renda fixa, culminando na queda das taxas do IPCA+”, afirma Arley Matos, estrategista de investimentos e chefe de consultoria do Santander.
A entrada de recursos aqui fez as taxas cederem no Tesouro IPCA+ 2029, que foi do pico de 8% em 28 de março para 7,63% em 8 de abril, depois que os operadores começaram a reajustar as posições de alocação. No mesmo período, a rentabilidade real do IPCA+ 2040 foi de 7,46% para 7,28%; a de 2050 foi de 7,29% para 7,13%.
Os rendimentos passaram a acompanhar o vaivém de Trump em relação à cruzada tarifária: em partes cedendo com alívio das tensões, em especial em relação à China, em partes subindo com a retirada de recursos daqui, conforme investidores voltavam ao mercado norte-americano.
Então, no começo de maio, um fator doméstico passou a entrar na conta: a Selic. Na reunião dos dias 5 e 6, o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central) optou por aumentar a taxa básica de juros do país em 0,25 ponto percentual, a 14,75% ao ano, e deixou as decisões dos próximos encontros em aberto.
A partir daí, o mercado passou a dar como certo que o ciclo de altas se encerrou, e, com isso, os efeitos de uma Selic em patamares elevados se farão sentir sobre a atividade econômica e, sobretudo, nas expectativas de inflação. O Copom foi um “ponto de inflexão” para as taxas reais, como resumem os especialistas.
“As taxas de longo prazo refletem sempre a expectativa sobre como estará a taxa de juros lá na frente. Além do Copom, o dólar recuou bastante nos últimos meses, o que dá espaço para a interpretação de que a inflação não está mais tão pressionada e pode começar a ceder. Isso, por sua vez, permite pensar em um cenário de corte de juros não tão distante quanto o esperado antes”, afirma Luigi Wis, especialista em investimentos da Genial.
“Quando o mercado tem uma visão um pouco mais construtiva para o futuro, onde se vislumbram juros menores, as taxas do Tesouro começam a ceder.”
Os especialistas não vislumbram um momento em que as taxas fiquem abaixo de 6% em um futuro próximo. Mas a expectativa é que os rendimentos não superem os últimos picos, especialmente após a última leitura do IPCA-15, considerado uma prévia do indicador oficial, ter vindo abaixo das expectativas. “Esperamos algo em torno de um 6% alto e um 7% baixo”, diz Winalda, do Inter.
E em se tratando de oportunidades de investimento, a dica é “aproveitar o nível de preço”.
“Mesmo que as taxas tenham caído, elas ainda estão atrativas. E estamos falando de títulos de longo prazo que protegem o dinheiro contra a inflação, o que é um produto importante de ter na carteira. Como vemos essas taxas caindo mais daqui para frente, é uma oportunidade de investimento interessante para não deixar passar”, recomenda Matos, do Santander.