BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Sentada na cama, pernas cruzadas, cropped arrastão e cabelos trançados, Roxy espera em silêncio com um vibrador nas mãos. Um bilhete colado em seu seio diz que ela mal pode esperar para sentir quem lê a mensagem. Mas permanece imóvel. Não fala, respira ou pisca. É uma “sex doll”, parte do cardápio de um bordel high-tech em Berlim.
Enquanto no Brasil a febre dos bebês reborn vira meme e movimenta projetos no Congresso, na Europa um “cyberbordel” oferece bonecas para sexo e alimenta debates sobre misoginia, objetificação da mulher e fetiches violentos embalados em silicone premium.
Roxy fica em um prédio de fachada de tijolinhos em Friedrichshain, bairro moderno e repleto de bares na capital alemã. Instruções de acesso ao local, assim como o endereço, só são enviadas por email após o agendamento.
Na entrada, ao tocar o número do apartamento, uma voz feminina pergunta: “Você tem um horário? Qual a boneca?”. Após a resposta, a porta se abre. No segundo andar, depois de um consultório dentário, uma luz roxa indica que o ambiente corporativo ficou para trás: ali funciona o Cybrothel.
Pelas redes, o serviço se vende como solução para quem quer realizar fantasias ou viver experiências diferentes sem “trair de verdade” a parceira.
No quarto, a boneca aguarda ao som de música ambiente, com projeções de um céu estrelado nas paredes. Um quadro na parede contém instruções, como “camisinhas são altamente recomendadas” e “não ande pelado pelas áreas comuns, já que há vizinhos”.
Nas redes, circulam vídeos com críticas ao lugar. É dito, por exemplo, ser possível pedir bonecas que aparentam estar sujas de sangue ou com roupas rasgadas.
A Folha solicitou uma boneca que viesse com maquiagem borrada, cabelo desgrenhado, roupas rasgadas e sangue artificial. A resposta veio rápida: reserva cancelada e uma explicação de que fantasias que simulem abuso ou ferimento não são permitidas.
Philipp Fussennegger, dono do Cybrothel, afirma à reportagem que havia uma boneca no estilo “vampira” e o sangue compunha o cenário. “Talvez não tenhamos sido sensíveis.”
Em uma nota no site, o local nega oferecer bonecas com aparência infantil e diz que, em caso de suspeita de fantasias violentas, toma medidas legais. Ainda segundo as regras, as bonecas devem ser tratadas com “respeito e carinho” –o que inclui uma gorjeta extra (R$ 96) caso o cliente ejacule dentro dela.
Há, porém, quem relate que o pedido de boneca com sinais de violência foi atendido, como Laura Bates, que lançou no início de maio o livro “The New Age of Sexism: How the AI Revolution is Reinventing Misogyny” (a nova era do sexismo: como a revolução de IA está reinventando a misoginia).
Na obra, ela escreve que pediu que as roupas da boneca fossem rasgadas e conta que se sentiu como se tivesse “entrado em uma cena de crime com a boneca usando meia arrastão rasgada e uma camiseta puída, como solicitado”.
A escritora também critica o ambiente, que oferece uma experiência customizada conforme o gosto do cliente, na maioria das vezes homens. “A descrição reduz as mulheres à simplicidade de estereótipos sexuais e a apresentação de cada boneca no site reforça os mesmos clichês exagerados e desumanizantes”, escreve.
Fussennegger afirma não se recordar o que pode ter acontecido na reserva da escritora, mas diz acreditar no relato dela.
“Quero melhorar. Entendo as críticas e vou ser cada vez mais cuidadoso”, afirma ele, que começou o negócio como um projeto de arte durante a pandemia e, em 2021, transformou o local em um bordel.
Uma hora custa a partir de R$ 660
A reportagem conseguiu acesso ao Cybrothel em uma segunda tentativa, com uma reserva sem pedidos extravagantes. Foi contratada a Roxy por uma hora, o que custou 99 euros (cerca de R$ 660), valor da categoria C –bonecas com “sinais visíveis de uso”, porém em bom funcionamento.
Roxy apresentava pequenos arranhões, silicone dos dedos rasgados e faltava esmalte em unhas das mãos e dos pés. Além dela, há outras 18 opções de “acompanhantes”, sendo apenas um homem. O restante segue um padrão: barriga chapada, seios variados e depilação detalhada na descrição.
O dono diz que a falta de homens é um erro que pretende corrigir em breve. Em relação aos corpos estereotipados, Fussennegger afirma ser um desafio ter acesso a bonecas com corpos reais, uma vez que, segundo ele, são fabricadas por uma indústria movida a “homens brancos”.
O cliente pode escolher serviços extras, como uma boneca pré-aquecida (R$ 58), pornô em realidade virtual (R$ 129), esperma artificial (R$ 77), golden shower (R$ 445) ou uma noite inteira com quatro bonecas –experiência que pode ultrapassar R$ 10 mil.
Segundo Fussennegger, hoje o negócio rende o suficiente apenas para pagar o aluguel, com uma média de 2 a 3 clientes por dia.
O toque de ficção científica está nas câmeras e microfones embutidos nos quartos. Quando solicitada interação com a boneca, uma funcionária, em outra sala, escuta e responde. Segundo o site, ainda não há bonecas robóticas disponíveis, mas a tecnologia oferecida é classificada como “análoga à inteligência artificial”.
No ano passado, reportagens noticiavam a chegada de uma boneca movida a inteligência artificial, mas a função está temporariamente indisponível e não agradou ao dono. “Os protótipos não garantiam a segurança de dados e as conversas se repetiam, mas vamos chegar lá”, diz ele, que espera em breve trabalhar com robôs sexuais.
Para Fussennegger, este é o futuro: a possibilidade de ter prazer com robôs.
Na avaliação de Mariana Luz, diretora da ONG MeToo Brasil, o conceito do bordel reflete um momento crítico das relações humanas e reforça a lógica do machismo. “Não querem ter o trabalho de ouvir, ceder, negociar. É como se dissessem: odiamos tanto as mulheres que preferimos substituí-las.”
Ainda de acordo com ela, apesar de o ambiente parecer utópico, pode reforçar violências reais. “Não podemos correr o risco de banalizar a violência.”
O dono diz entender as críticas, mas afirma acreditar que a humanidade “não seja tão idiota assim”. “Não acho que eles [clientes] vão ao nosso estabelecimento para vivenciar fantasias violentas”, diz ele.
A jornalista está na Alemanha como parte do IJP (International Journalists Programme).