SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após uma espera de décadas pela comunidade científica, as primeiras imagens do Observatório Vera C. Rubin devem ser apresentadas ao público em 23 de junho, inaugurando uma nova era na astronomia. E quem já viu os dados iniciais vindos do supertelescópio está para lá de empolgado.
“Quando você vê o que está envolvido: um projeto que levou 25 anos para ser construído, uma câmera que custou meio bilhão de dólares, pesa três toneladas, tem o tamanho de um carro e precisa se mover com precisão micrométrica, rapidamente, para apontar em diferentes regiões do céu, não é trivial que tudo funcione. Mas está funcionando”, diz Luiz Nicolaci da Costa.
Costa é diretor do LineA (Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia), órgão brasileiro que participa do projeto e acaba de receber R$ 7 milhões em recursos da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) para concluir a instalação de seu Centro Independente de Acesso a Dados (Idac, na sigla em inglês), estrutura responsável por processar, analisar e distribuir dados do supertelescópio.
“As imagens têm uma qualidade fabulosa, sem distorções, sem ruídos eletrônicos, com um campo de visão gigantesco”, afirma o astrônomo, que já pôde dar uma olhada nos primeiros resultados vindos do telescópio internacional com espelho de oito metros instalado no Atacama, no Chile.
A iniciativa internacional tem liderança americana e participação de vários países, entre os quais o Brasil. “O pessoal do time de comissionamento já viu as imagens e mesmo sem poder divulgar ainda dá para garantir que estão muito satisfeitos. Os astrônomos e físicos do mundo inteiro envolvidos no projeto estão em clima de grande expectativa.”
A espera vai acabar no próximo dia 23, com o evento Rubin First Light, organizado pela NSF e pelo DOE (respectivamente Fundação Nacional de Ciência e Departamento de Energia dos EUA) e replicado em reuniões simultâneas espalhadas pelo mundo.
“As primeiras imagens devem se concentrar em campos ricos em galáxias, onde poderão ser vistas lentes gravitacionais, fenômenos de grande valor científico”, diz Nicolaci.
O observatório foi desenvolvido para conduzir um megaprojeto de varredura, o LSST (sigla em inglês para Pesquisa de Legado de Espaço e Tempo). Mapeando o céu do hemisfério Sul, ou seja, quase metade de toda a abóbada celeste, ele trará precisão e velocidade inéditas.
“Para se ter uma ideia do salto: enquanto telescópios atuais podem levar anos para catalogar cerca de 400 milhões de objetos, o supertelescópio Rubin tem expectativa de ultrapassar a marca de 29 bilhões de detecções já no primeiro ano de operação. O que hoje demanda anos de trabalho ele será capaz de fazer em poucos dias”, afirma Nicolaci.
Embora haja hoje vários telescópios de solo com abertura de oito metros em operação, o Rubin traz alguns diferenciais marcantes. Um deles é a maior câmera digital já construída no mundo, uma gigante de 3,2 gigapixels. Outro é o enorme campo de visão e a capacidade de registrar vastas áreas do céu em rápida sucessão. “A câmera é tão poderosa que, para ver uma imagem inteira dela em resolução total, seriam necessárias 400 TVs de alta definição”, diz o astrônomo do LineA.
O CÉU EM TRANSFORMAÇÃO
Os dados do LSST prometem revolucionar praticamente todos os campos da astronomia, do estudo do Sistema Solar (em que o telescópio poderá descobrir um sem-número de objetos, que vão de asteroides ao hipotético Planeta 9, supostamente localizado além de Netuno) aos grandes mistérios da astronomia moderna, como a energia e matéria escuras (cujos efeitos só são observados de forma indireta). E o mais interessante será a busca sistemática pelo inesperado.
“O potencial é enorme. Primeiro pela profundidade e volume de espaço que o LSST vai explorar. E depois por uma coisa muito importante: o projeto vai observar a mesma região do do céu a cada três noites. Isso cria algo que nunca tivemos antes: um filme do céu em movimento. Vai ser possível ver o que muda, o que surge, o que desaparece. Fenômenos rápidos, variáveis, novos objetos, tudo isso em tempo quase real.”
Em compensação, o Rubin também terá de lidar com outro aspecto menos agradável do céu em transformação –a presença constante de satélites brilhantes de baixa órbita afetando as imagens produzidas.
Quando o projeto foi concebido, ninguém imaginava que megaconstelações como a da Starlink, da SpaceX, seriam lançadas ao espaço, e o impacto à astronomia é considerável, sobretudo em projetos de varredura.
Na pior das hipóteses, o LSST poderia ter prejuízos de contaminação indesejada em 30% a 50% das imagens, segundo um estudo de 2020. O impacto, contudo, pode cair pela metade se o projeto sacrificar 10% no tempo de observação, de acordo com estimativas.
Astrônomos vêm pressionando a SpaceX e outras empresas para tentar reduzir o brilho de seus satélites. O impacto real sobre o projeto deve ficar claro já no início e pode jogar um pouco de água no chope dos astrônomos.