TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS) – O governo de Taiwan acompanha com atenção o rápido crescimento da China no setor de semicondutores, indústria que, além de ser a mais importante de sua economia, vem funcionando como um verdadeiro escudo contra uma invasão de Pequim.

Gigante dos chips –o cérebro da inteligência artificial e de quase toda tecnologia moderna–, Taiwan agora vê risco de ser superada num mercado onde até então era soberana e trabalha para não perder competitividade frente ao gigante asiático situado a apenas 130 km de distância.

Em encontro com jornalistas em Taipé no começo de abril, o vice-ministro do Conselho de Assuntos Continentais de Taiwan, Liang Wen-Chieh, reconheceu que os avanços de Pequim nessa indústria podem trazer desvantagens e até acarretar uma crise interna no futuro.

“Isso pode acontecer. No entanto, o que precisamos fazer –nós e os demais países que querem ser mais competitivos que a China– é desenvolver novas tecnologias mais avançadas e com muita rapidez”, disse Liang, após ser questionado pela Folha sobre o assunto.

Segundo o vice-ministro, essa lógica vale para tudo, não apenas para os chips.

Especificamente sobre os semicondutores, ele acredita que Taiwan, Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos devem trabalhar em conjunto, com colaborações mais estreitas, para chegarem a um nível tecnológico superior.

“Se um desses países não quiser cooperar, a China pode nos alcançar a qualquer momento”, afirmou Liang.

Essa aposta na cooperação, no entanto, carrega um dilema. Embora compartilhem preocupações com Pequim, os parceiros estratégicos citados pelo vice-ministro têm interesses próprios –e nem sempre convergentes. Em março, Japão e Coreia do Sul se uniram à China para acelerar um acordo trilateral de livre comércio, num esforço conjunto para se proteger da ofensiva tarifária do presidente americano Donald Trump.

Nos últimos anos, empresas chinesas expandiram rapidamente a capacidade de produzir semicondutores. Segundo a consultoria TrendForce, em 2024, a China atingiu uma fatia de 34% no mercado de chips maduros (menos avançados, com mais de 22 nanômetros). No mesmo período, Taiwan registrou 43%.

As projeções indicam que a participação chinesa deve chegar a 47% em 2027, com Taiwan caindo para 36%. Estados Unidos e Coreia do Sul, que hoje têm fatias de um dígito nesse mercado, devem cair ainda mais.

Estimativa semelhante é feita pelo IDC (International Data Corporation), que prevê a China com 40% da indústria global de chips maduros até 2030.

O crescimento do gigante asiático nesse setor é fruto de investimentos massivos em fábricas e maquinários, que acompanham a enorme demanda interna e os subsídios públicos de Pequim. Atualmente, a China é o país que mais gasta com equipamentos para produzir chips no mundo.

De acordo com a associação Semi, em 2024, o país gastou US$ 50 bilhões com equipamentos para a indústria de semicondutores, um recorde.

Empresas como a SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corporation) têm atingido progressos notáveis, assim como big techs chinesas. No começo de maio, por exemplo, reportagem do jornal Financial Times feita a partir de imagens de satélite mostrou que a Huawei está construindo linhas de produção na China para chips avançados, como parte da estratégia para reduzir a dependência do país de tecnologias estrangeiras.

Os semicondutores são categorizados pelo tamanho de seus transistores –peças responsáveis pela eficiência e capacidade de “raciocínio”– e vão dos mais avançados (de 3 nanômetros ou menos) aos chamados maduros (acima de 22 nanômetros). Para efeito de comparação, o coronavírus tem cerca de 100 nanômetros.

Atualmente, fabricantes disputam quem consegue diminuir ao máximo o tamanho dos transistores. Quanto menores forem, mais unidades podem ser inseridas em um chip.

Hoje, os semicondutores mais avançados do mundo são feitos pela taiwanesa TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company), que fabrica chips para gigantes como Nvidia e Apple. A coreana Samsung e a japonesa Rapidus têm planos de lançar versões de 2 nanômetros nos próximos anos.

Cérebro da eletrônica moderna, os semicondutores hoje são comparados ao que o petróleo era no começo do século 20. Ser responsável por fabricar os melhores e mais desejados chips não é trivial.

É nessa trincheira que Taiwan se encontra hoje. Resistir à pressão chinesa no mercado de chips é mais do que proteger uma importante indústria nacional –tem a ver com segurança interna e com sobrevivência no longo prazo.

No período em que a Folha esteve em Taiwan, a China intensificava seus exercícios militares ao redor da ilha, inclusive simulando um cerco com munição real.

A disputa entre Pequim e Taipé remonta a 1949, quando as tropas nacionalistas de Chiang Kai-shek perderam a guerra civil para os comunistas liderados por Mao Tse-Tung e fugiram para Taiwan. Até hoje, para o regime de Xi Jinping, a China continental e Taiwan são duas partes de uma só China.

Questionado sobre as ameaças chinesas, Liang Wen-Chieh disse que esse tipo de intimidação não é de agora. “Já vivemos há 70 anos sob esta condição.”

Segundo ele, somente no ano passado, 5.000 aviões militares e 2.000 navios chineses tentaram se aproximar do território taiwanês.

Para Liang, três fatores ajudam a ilha a “sobreviver bem”. Um deles é o desenvolvimento de seus exércitos e da defesa nacional. Outro é a boa relação com países democráticos –o que, segundo o vice-ministro, gera algum tipo de proteção. O terceiro fator é a força econômica.

“Taiwan agora mesmo, se tem certo peso em algum cenário, é pela economia que dedicamos muito tempo a desenvolver.”

O repórter viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores de Taiwan